Wednesday, October 05, 2005

JORNALISMO GONZO NO BRASIL

Monografia de conclusão do curso de Jornalismo pela PUC-RS/FAMECOS

Orientador: Carlos Gerbase

PORTO ALEGRE - novembro de2004


"O jornalismo imparcial não existe por um motivo: não se trata de uma ciência."
Gianni Carta, Novo Velho Jornalismo



AGRADECIMENTOS

Carlos Gerbase, por orientar o estudo de uma técnica jornalística quase desconhecida mesmo entre os professores da própria FAMECOS
e se dispor a isso com uma antecedência admirável.

André Felipe Pontes Czarnobai, por abraçar uma causa quando todos diziam ser loucura e mostrar o quão bem-sucedida ela poderia se tornar.



SUMÁRIO

1.ORIGENS DO JORNALISMO GONZO
1.2.Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism
1.3. O que é Gonzo Journalism?


2. JORNALISMO GONZO NO BRASIL
2.1. Precursores do Jornalismo Gonzo no Brasil
2.1.1. Memórias de um repórter X
2.1.2.
O idealismo técnico de Euclides da Cunha
2.2.3
Vertentes do jornalismo Gonzo no Brasil
2.2.1. Revista Realidade
2.2.2. Revista O Cruzeiro e Jornal da Tarde
2.3.1. Nova leva do Jornalismo Gonzo no Brasil
2.3.2. Jornalismo Gonzo invade a Internet
2.3.3.
Irmandade Raoul Duke
2.4. A manutenção do Jornalismo Gonzo
2.4.1.
O caso da Folha de S. Paulo e seu publisher, Otávio Frias Filho
2.4.2.
Carta Capital e o Velho Novo Jornalismo de Gianni Carta

CONCLUSÃO

INTRODUÇÂO


Em uma sociedade onde todos são culpados,
o único delito é ser pego."
Hunter S. Thompson



Esta monografia tenta desfiar a origem, teoria e prática de uma técnica de reportagem considerada inovadora por poucos e irrelevante para a maioria: o Jornalismo Gonzo. Mais que isso, estudar suas raízes e conseqüências na imprensa brasileira. Método de captação de informações marginalizado pelas grandes redações, o Jornalismo Gonzo é um ramo do Novo Jornalismo – corrente jornalística que revolucionou a imprensa norte-americana.

O texto tem como principal hipótese de trabalho o tanto o amadurecimento da técnica quanto sua influência e viabilidade nos jornalistas brasileiros ao longo do último século. Além disso, tenta traçar um histórico do sucesso destas tentativas acerca da diversificação do discurso jornalístico e sua relevãncia para o maior interessado: o leitor. O método de pesquisa desta monografia não se distingue da maioria. O Jornalismo começou a me a interessar em 1997, através de algumas reportagens publicadas no exterior e na revista Trip. O lançamento do filme "Medo e Delírio em Las Vegas", do diretor Terry Gillian, magnetizou a fama "cult" do gênero, mas nada que tenha sido aprofundado no Brasil - talvez até pela alcunha de "Jornalismo Maldito" em redações e faculdades de comunicação.

O capítulo um traz um apanhado das origens do Jornalismo Gonzo e de seu precursor, o Novo Jornalismo. Os dois subcapítulos mostram o desenvolvimento da prática através de exemplos teóricos e práticos, com destaque para o sucesso quase imediato de ambos durante seu reconhecimento pelo público. O capítulo dois apresenta a origem, evolução e sucesso, se não do Jornalismo Gonzo per se, de ramificações suas até o advento da Internet.

1. ORIGENS DO JORNALISMO GONZO

1.1. Origem, teoria e método do New Journalism

Nos Estados Unidos, no começo dos anos 60, as redações jornalísticas abrigavam basicamente dois tipos de jornalistas. O primeiro tipo era responsável por conseguir informações inéditas, em primeira mão - os furos de reportagem -, que afirmam, para o leitor, "a prevalência do jornal que ele lê sobre os demais jornais e meios de comunicação" (Manual da Redação da Folha de São Paulo, 2001, p.26). Além deles, outra espécie de jornalista também habitava as redações: os "especialistas em reportagem" (Wolfe, 1976, p.12).
O movimento literário do qual fez parte no começo dos anos 60 foi algo concebido de uma forma despretensiosa e os seus resultados, puramente acidentais. Mas não se limita a isso: é também uma constatação sobre a surpresa com que o sucesso do gênero foi recebido tanto sobre escritores quanto jornalistas, que não tinham noção do poder deste novo formato jornalístico. O New Journalism nasce para, de certa forma, satisfazer uma necessidade que muitos jornalistas possuem: o sonho de escrever um grande romance. "Estou ansioso por apostar que, não há muito tempo, a metade das pessoas que iam trabalhar na imprensa o faziam na crença de que o seu desino real era o de ser romancistas."(Wolfe, 1976, p.16). Wolfe acreditava em uma espécie de hierarquia da literatura, na qual o status de romancista era o ponto mais alto a ser buscado. Em contrapartida, o jornalista desempenhava o papel mais baixo na escala de valores literários.
Termo jornalístico usado para classificar um texto que não se encaixasse na categoria da notícia propriamente dita, a reportagem abrangia tudo relacionado a histórias de interesse humano, ou seja, textos que versavam sobre acontecimentos cômicos ou trágicos nas vidas de pessoas comuns. Também por isso, os temas da reportagem sempre proporcionavam uma maior liberdade na hora de escrevê-las. Estas características aproximavam a reportagem das narrativas realistas de ficção, com a exclusiva diferença de não haver - em tese e por definição - absolutamente nada fictício nos relatos publicados em periódicos.
Nos anos em que trabalhou escrevendo para o Herald Tribune, o próprio Wolfe se incluía entre os especialistas em reportagem, ao lado de Charles Portis, Jimmy Breslin e Dick Schaap, todos seus colegas no jornal, além de Gay Talese e Robert Lipsyte, que escreviam para o Times, e Michael Mok, do Daily News. Este último era considerado por Wolfe um "duro competidor" (1976, p.14), devido ao pouco apreço pela sua segurança quando o que estava em jogo era conseguir ou não contar a sua história. Mok tinha uma disposição natural para arriscar a vida em favor da notícia, o que se mostrou indispensável para o seu sucesso cobrindo a Guerra do Vietnam e o conflito árabe-israelense para a Life.
Em determinada ocasião, o Daily News mandou Mok e um fotógrafo cobrirem uma história sobre um homem extremamente obeso que pretendia perder peso isolando-se em um barco a vela ancorado no meio de Long Island South mas a lancha que alugaram para chegar até lá quebrou antes de chegar ao destino. Era inverno mas Mok jogou-se na água e nadou cerca de um quilômetro e meio até o barco a vela para conseguir sua reportagem, que foi publicada com fotos do próprio Mok nadando.
Estes esforços, contudo, não eram reconhecidos pelos diretores dos jornais, que "guardavam suas lágrimas para os correspondentes de guerra" (Wolfe, 1976, p.14). A reportagem era vista como um gênero menor, afirmação que pode ser confirmada pela observação de Wolfe a respeito da surpresa com que um dos diretores do New York Times havia recebido um elogio superlativo a um dos redatores mais populares de seu jornal, Israel Shenker: "Sim, mas ele escreve reportagens!" (Wolfe, 1976, p.15). Por conta destes momentos "terrivelmente amargos" (Wolfe, 1976, p.15), os especialistas em reportagem eram constantemente atacados por um sentimento de estarem apenas escondendo-se atrás de desculpas para não escreverem o seu romance. Este sentimento é melhor definido por Wolfe neste trecho: “A estas alturas - em parte por causa do próprio new journalism - fica difícil explicar o que significava para o Sonho Americano a idéia de escrever um romance nos anos 40, nos anos 50, até o começo dos 60. O Romance não era uma simples forma literária. Era um fenômeno psicológico. Era uma febre cerebral.” (Wolfe, 1976, p.15)
Em 1969, a Playboy publicou um artigo de Seymor Krim que falava sobre como o romance realista norte-americano da metade dos anos 30 - citando uma série de autores como William Faulkner, Ernest Hemingway, John dos Passos, James Cain e John Steinbeck, entre outros - havia despertado nele a vontade de tornar-se um romancista. O artigo acabou tornando-se uma confissão da frustração de Krim que, por volta dos quarenta anos, ainda não havia escrito o seu romance - e provavelmente nunca o faria - ainda que essa fosse a "irresistível paixão de sua vida, sua chamada espiritual, enfim, o motor que havia mantido o tictac do seu ego através de suas desgraçdas humilhações sofridas por sua flamante condição de homem" (Wolfe, 1976, p15-16).
Wolfe comenta que, na época, não entendia como um artigo desse tipo poderia interessar qualquer pessoa que não fosse um escritor mas é justamente aí que se engana. Ele afirma que a palavra escritor refere-se apenas a uma pequena parcela de norte-americanos que sofreram da mesma peculiar obsessão de Krim, deixando de fora todos os que trabalham na televisão, relações públicas, cineastas, estudantes de letras, empregados, chefes e filhos solteiros que vivem com a mãe, "todo um enxame de fantasiadores que se proliferava nos estufados egos da América..." (Wolfe, 1976, p.16). Ainda sobre a importância que o romance exercia sobre todas estas pessoas, Wolfe diz: “O Romance parecia o último daqueles fenomenais golpes de sorte, como encontrar ouro ou extrair petróleo, graças aos quais, um norte-americano, da noite para o dia, em um abrir e fechar de olhos, podia transformar completamente o seu destino.” (1976, p.16)
Esta noção se justifica pelo fato de muitos dos romancistas que se tornaram célebres nos anos 30 terem histórias de vida bastante ordinárias, o que facilita a identificação destes autores com o norte-americano comum. Caminhoneiros, lenhadores, mecânicos e agricultores haviam transformado o seu destino através da escrita. Faulkner, por exemplo, era lavador de pratos em um restaurante grego em Nova York. O fato de os romancistas serem pessoas comuns com vidas comuns ajudava a conferir uma aura de legitimidade em torno da obra, além de incutir no inconsciente coletivo do norte-americano a possibilidade de um dia mudar de vida através da literatura - mais uma das milhares de definições para o que se convencionou chamar de Sonho Americano, já conceituado anteriormente neste trabalho.
Nos anos 50, o panorama literário norte-americano tornou-se propício ao surgimento de uma nova mística em torno do romance. Com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, havia se formado uma "suposição mágica" (Wolfe, 1976, p.17) de que o romance norte-americano experimentaria uma nova fase áurea semelhante à era Hemingway-Dos Passos-Fitzgerald, que surgiu após o final da Primeira Guerra. Isto ajudou a aumentar a distância que havia entre os jornalistas e os romancistas, do ponto de vista literário.
O cenário estava estritamente reservado aos romancistas, gente que escrevia romances e gente que rendia homenagens ao romance. Não havia espaço para o jornalista, a menos que assumisse o papel de aspirante-a-escritor ou de simples cortesão dos grandes. Não havia jornalista literário que trabalhasse para revistas populares ou jornais. Se um jornalista aspirava ao ramo literário... melhor que tivesse o senso comum e o valor de abandonar a imprensa popular e tentar subir à primeira divisão. (Wolfe, 1976, p.17)
Charles Portis e Jimmy Breslin tentaram subir à primeira divisão escrevendo seus romances. Portis o fez de forma a legitimar todas as suposições que se fazia sobre os reais desejos dos especialistas em reportagem. Sem avisar ninguém, simplesmente largou seu emprego de correspondente do Herald Tribune em Londres, voltou para os Estados Unidos e mudou-se para um casebre de pescadores no Arkansas onde escreveu, ao longo de seis meses, seu primeiro romance chamado Norwood. Pouco tempo depois escreveu o segundo livro, True Grift, que se tornou best-seller. Ambos foram sucesso de crítica e tiveram os seus direitos vendidos ao cinema, enriquecendo o autor e celebrizando-o como romancista, "o que equivale a dizer que o velho sonho, O Romance, nunca havia morrido". (Wolfe, 1976, p.18).
1.2. Talese, Wolfe e Breslin e o surgimento do New Journalism

No começo dos anos 60, "um novo e curioso conceito, vivo o bastante para inflamar os egos, havia decidido invadir os diminutos confins da esfera profissional da reportagem. Esta descoberta (...) consistiria em tornar possível um jornalismo que... fosse igual a um romance."(Wolfe, 1976, p.18) Era a mais sincera forma de homenagem ao romance que os jornalistas podiam prestar, sem nunca deixar de ter claro que a representação do artista soberano na literatura era o escritor.
Em 1962, Gay Talese publicou na Esquire uma história sobre o lutador de boxe Joe Louis cujo título era "Joe Louis: o Rei como Homem de Meia Idade" (apud Wolfe, 1976, p.19), que fugia totalmente dos padrões jornalísticos vigentes na época, assemelhando-se muito mais a um relato que a uma matéria jornalística propriamente dita, como demonstra o trecho que abre o artigo:
- Olá, querida - gritou Joe Louis a sua mulher ao vê-la o esperando no aeroporto de Los Angeles. Ela sorriu enquanto aproximava-se e quando estava a ponto de ficar na ponta dos pés para lhe dar um beijo, deteve-se de pronto.
- Joe, onde está sua gravata? - perguntou.
- Ai, querida - ele desculpou-se encolhendo os ombros - estive fora toda a noite em Nova York e não tive tempo... (...) (Talese apud Wolfe, 1976, p.19)
Devido ao uso de passagens explicativas, descrição de cenas e diálogos, o texto de Talese poderia "transformar-se em um conto com muito pouco trabalho" (Wolfe, 1976, p.20), o que passava uma sensação de estranheza a quem lesse o artigo publicado sob a égide de "trabalho jornalístico" por conter informações normalmente dispensadas na redação de uma matéria de caráter informativo, como a pequena discussão entre o lutador e a sua esposa no aeroporto, por exemplo.
Na verdade, a cena onde o temido boxeador encontra-se com a mulher e que, a primeira vista, parece dispensável serve para que o leitor construa uma imagem mais precisa da dimensão humana de Joe Louis, que apesar de ser um campeão mundial dos pesos-pesados, encolhia os ombros diante da mínima reação irritadiça de sua mulher.
Ao ler o texto de Talese, o próprio Wolfe experimentou essa sensação que, ironicamente, seria a principal arma dos críticos do New Journalism nos anos seguintes. "Deus meu, talvez tenha inventado cenas inteiras, o mentiroso sem escrúpulos..." (Wolfe, 1976, p.21).
Algum tempo depois da publicação do perfil de Louis, Jimmy Breslin ganhou uma coluna no Herald Tribune. Receber a tarefa de escrever uma coluna foi e ainda é considerada uma promoção dentro das lides do jornalismo. Funciona como uma espécie de reconhecimento dos bons serviços desempenhados no campo da reportagem. Breslin havia publicado centenas de artigos em revistas como a True, Life e Sports Illustrated mas, segundo Wolfe, na época, lançar-se como colaborador independente de revistas populares era a melhor maneira de permanecer anônimo. Breslin ganhou a vaga graças ao interesse que seu livro, Can't Anybody Here Play This Game, despertou em Jock Whitney, então editor do Herald.
Segundo o próprio Wolfe, toda vez que um especialista em reportagem ganhava uma coluna, "se perdia um bom repórter e se ganhava um mal escritor" (Wolfe, 1976, p.22), posto que a maioria delas representava um estilo preguiçoso de se fazer jornalismo, como no trecho:
As colunas dos jornais tinham se convertido em uma ilustração clássica da teoria de que as organizações tendem a elevar as pessoas aos seus níveis de incompetência. (...) O arquétipo dos colunistas de jornais era Lippman. Durante 35 anos, Lippman aparentemente não fez outra coisa que ingerir o New York Times todas as manhãs, fagocitá-lo em sua ponderativa cacunda durante uns quantos dias para rapidamente ejetá-lo metodicamente sob a forma de uma gota de saliva perante várias centenas de milhares de leitores de jornais nos dias seguintes. A única reportagem de verdade que lembro-me de Lippman ter feito foi a visita protocolar a um chefe de estado (...) (Wolfe, 1976, p.21-22)
Os colunistas de jornal, de uma forma ou outra, acabavam sub-aproveitando a liberdade literária de que gozavam, pois se lançavam com grande material, despejando fragmentos interessantes de vidas alheias por cerca de "oito a dez semanas" (Wolfe, 1976, p.22) até perderem o fôlego e encontrarem-se encurralados em temas tão pessoais quanto "as coisas engraçadas que aconteceram perto de sua casa outro dia, brincadeiras caseiras (...), um livro ou artigo fascinante que tenham estimulado sua imaginação, ou sobre qualquer coisa que tenham visto na televisão" (Wolfe, 1976, p.22-23).
Breslin, entretanto, promoveu uma verdadeira revolução no jeito como se escreviam as colunas de jornais. Durante os primeiros anos, seu trabalho gerou controvérsia tanto entre jornalistas quanto literatos. Sua descoberta revolucionária foi, na verdade, bastante óbvia: ele continuou trabalhando como repórter. Wolfe destaca um artigo que Jimmy Breslin escreveu sobre a condenação de um chefão do Sindicato dos Caminhoneiros acusado de extorsão chamado Anthony Provenzano, fazendo questão de atentar para os detalhes que ajudaram a construir a história, como a descontração antes do julgamento indicada pelo tapa que deu no braço de um amigo e o suor no lábio superior ao ouvir a sentença. O diamante que refletia a luz do sol no anel de Anthony foi usado como fio condutor de toda a narrativa, que encerrava observando que o fiscal que trabalhou para a condenação de Tony Pro não trazia nada que brilhasse em suas mãos.
Pareciam desconhecer em absoluto uma parte crucial do trabalho de Breslin: isto é, seu trabalho como repórter. Breslin transformou em costume chegar ao cenário muito antes do acontecimento com o fim de recolher material ambiental (...) que lhe permitiam criar um personagem. Do seu modus operandi fazia parte a coleta dos detalhes novelísticos - os anéis, a transpiração, as palmadas no ombro - e o fazia com mais habilidade que muitos romancistas. (Breslin apud Wolfe, 1976, p.25)
Tom Wolfe fez a sua primeira incursão neste híbrido jornalístico-literário em 1963, com a publicação, na Esquire, de Aí vem (Vruum! Vruum!) Este Carrinho Bonitinho Aerodinâmico (Rahghhh!) Fluorescente (Thphhhhhh!) Fazendo a Curva (Brummmmmmmmmmmmmmmm!). Era um artigo totalmente fora dos padrões de forma e conteúdo no jornalismo da época. Wolfe misturou rascunhos e esboços desleixados com erudição formal, usou conceitos da sociologia, epítetos e lamentos, tudo costurado de uma forma bastante tosca.
Para Wolfe o mais interessante não era a sensação de ter feito algo novo em jornalismo mas sim a descoberta de que era possível fazer descrições muito fiéis da realidade usando técnicas habitualmente utilizadas no conto e no romance, que serão descritas posteriormente neste trabalho. Isso significa que um artigo jornalístico poderia valer-se de qualquer recurso literário para cativar o leitor tanto pelos argumentos quanto pelo lado emocional.
Entre 1963 e 1964, Wolfe escreveu diversos artigos para a Esquire mas a maior parte de seus textos acabou sendo publicada no New York, suplemento dominical do Herald Tribune. Uma vez que os suplementos dominicais não tinham maiores pretensões, Wolfe sentiu-se tentado a fazer experimentos em seus artigos, aplicando recursos literários como a mudança do ponto de vista, o monólogo interior, citações literais de diálogos inteiros e caracterização de personagens, além da criação de novas funções para narradores até então seguidores de uma tradição de neutralidade dentro do jornalismo. Estas são precisamente as principais características do New Journalism no tocante à escrita do texto. Mas as propostas de renovação não ficavam apenas no tocante à redação dos artigos:
Estou certo de que outros que faziam experiências em artigos de revistas sentiam o mesmo, como Talese. Estavam ultrapassando os limites convencionais do jornalismo, mas não simplesmente no que se refere à técnica. A forma de coletar material que estavam desenvolvendo era também muito mais ambiciosa. Era mais intensa, mais detalhada (...) (Wolfe, 1976, p.34-35)
Naturalmente, este tipo de reportagem exigia um trabalho de coleta de dados muito mais intenso, minucioso e, por conseguinte, demorado do que se aplica normalmente. Os praticantes do New Journalism desenvolveram a particularidade de dispensar grande tempo para cobrir cada história, chegando a passar dias - e, em alguns casos, até mesmo semanas - com as pessoas sobre as quais escreviam, outro aspecto que será discutido mais adiante neste trabalho. Wolfe estava cada vez mais convencido de haver criado o híbrido ideal entre o jornalismo e a literatura, enquanto Gay Talese formula que:
O novo Jornalismo, embora possa ser lido como ficção, não é ficção. É, ou deveria ser, tão verídico, como a mais exata das reportagens, buscando embora uma verdade mais ampla que a possível através da mera compilação de fatos comprováveis, o uso de citações, a adesão ao rígido estilo mais antigo. O novo jornalismo permite, na verdade exige, uma abordagem mais imaginativa da reportagem e consente que o escritor se intrometa na narrativa se o desejar, conforme acontece com freqüência, ou que assuma o papel de observador imparcial, como fazem outros, eu inclusive. Procuro seguir discretamente o objeto de minhas reportagens, observando-o em situações reveladoras, anotando suas reações e as reações dos outros a eles. Tento absorver todo o cenário, o diálogo, a atmosfera, a tensão, o drama, o conflito e então escrevo tudo do ponto de vista de quem estou focalizando, revelando inclusive, sempre que possível, o que os indivíduos pensam nos momentos que descrevo. Esta visão interior só pode ser obtida, naturalmente, com a plena cooperação do sujeito, mas se o escritor goza da confiança daqueles que focaliza, isto se torna viável por meio de entrevistas, onde a pergunta certa é feita no momento exato. É assim possível saber e registrar o que se passa na mente das pessoas". (Talese, apud Ungaretti, 2001)
Neste ponto, tanto Talese como o próprio Wolfe concordavam que a principal vantagem de uma imersão tão pronunciada no objeto de suas reportagens era justamente o de poder oferecer uma descrição objetiva completa, onde a vida subjetiva e emocional dos personagens fosse um elemento a ser considerado. O jornalista Sérgio Villas Boas, em seu artigo Jornalismo Literário e o Texto em Revista, publicado no site Jornalite - Portal de Jornalismo Literário no Brasil fala sobre a necessidade da presença do jornalista na ação, para que a captação das sutilezas fosse o mais acurada possível: “Era primordial estar no lugar onde ocorriam cenas dramáticas para captar conversas, gestos, expressões faciais, detalhes do ambiente etc.; revelar os bastidores da matéria tanto quanto as impressões do repórter sobre o personagem.” (2002)
Outra característica marcante nos textos do New Journalism é o uso de figuras de pontuação pouco convencionais no jornalismo, como reticências e exclamações, além de interjeições, onomatopéias e palavras sem sentido.
Ainda que não seja reconhecido como um movimento literário pelos próprios protagonistas, foi assim que o New Journalism entrou para a história. Uma vez batizado e reconhecido como fenômeno, o New Journalism adquiriu um caráter de legitimidade e, portanto, começou a ser pesquisado e conceituado por diversos autores, como Tom Wolfe, Mark Kramer e Edvaldo Pereira Lima. Antes de definir o que é New Journalism, contudo, é importante fazer a observação de que não se trata de um gênero absolutamente inédito e sim parte da evolução da literatura que busca inspiração na literatura de realismo social, na literatura de relato e nas manifestações literárias com caráter factual e informativo - e portanto, jornalístico, que convencionou-se chamar, modernamente, de Jornalismo Literário, caracterizado pelo uso de técnicas da literatura na captação, redação e edição de reportagens e ensaios jornalísticos. Edvaldo Pereira Lima, no texto New Journalism X Jornalismo Literário, publicado no site Jornalite - Portal de Jornalismo Literário no Brasil, diz que:
O new journalism americano foi a manifestação de um momento do Jornalismo Literário. Isso quer dizer que o JL, enquanto forma de narrativa, de captação do real, de expressão do real já existia antes e continua existindo após o new journalism, que foi só uma versão específica do JL, mas uma versão radical quando comparada à anterior, principalmente, no que se refere à capacidade do narrador se envolver com o universo sobre o qual vai escrever. (2002)
A influência que a literatura de ficção européia do século XIX exerce sobre o New Journalism é verificada especialmente na forma com que o material é coletado. A escola do realismo social caracterizou-se pelas longas e detalhadas pesquisas de campo que os escritores faziam antes de escrever. No artigo Apontamentos Breves Para Uma Futura História do Jornalismo Literário, também publicado no site Jornalite, Edvaldo Pereira Lima afirma que "Suas histórias nasciam dessa observação minuciosa da realidade" (2002). Antes de escrever um livro, o escritor inglês Charles Dickens realizava extensas pesquisas sobre a linguagem, os tipos humanos e os costumes de pessoas pertencentes às classes marginalizadas. Já o francês Honoré de Balzac celebrizou-se pelo alto nível de detalhamento que conferia às suas descrições de ambientes.
Estas duas peculiaridades literárias influenciaram diretamente as técnicas aplicadas no New Journalism, definido por Gay Talese da seguinte forma em entrevista para o Jornal do Brasil:
New journalism (ou narrative writing, que seja) quer dizer apenas escrever bem. É um texto literário que não é inventado, não é ficção, mas que é narrado como um conto, como uma seqüência de filme. É como um enredo dramático digno de ser levado aos palcos e não apenas um amontoado de fatos, fácil de ser digerido. (2000)
Para a professora da Faculdade Cásper Líbero Nanami Sato, as principais características usadas para definir se um texto é representante do New Journalism são as seguintes:
A construção cena a cena; a reprodução do diálogo das personagens; a exploração das variadas possibilidades expressivas do foco narrativo (inclusive com o emprego do fluxo de consciência, como nos melhores romances psicológicos); o registro de gestos, cotidianos, hábitos, modos, estilo de decoração, roupas, comportamento e outros detalhes simbólicos, para reforçar a aparência da realidade. (apud Lucas Toyama, 2002)
Sérgio Vilas Boas define um pouco melhor as técnicas usadas pelos praticantes do New Journalism no trecho a seguir, extraído de seu supracitado artigo Jornalismo Literário e o Texto em Revista:
Inseriam diálogos - sim, com travessões e tudo. Faziam descrições minuciosas - de lugares, feições, objetos etc. Alternavam o foco narrativo: o narrador podia ser observador onipresente, testemunha e/ou participante dos acontecimentos. Além disso, podiam penetrar na mente dos seus personagens reais, reconstituir seus pensamentos, sentimentos e emoções com base em pesquisas e entrevistas verdadeiramente interativas. (2002)
Em seu livro The New Journalism, Tom Wolfe enumera os quatro principais procedimentos literários aplicados no New Journalism: a construção cena a cena, o uso de diálogos, o ponto de vista na terceira pessoa e os símbolos de status. Segundo Wolfe, estes quatro fundamentos seriam responsáveis pela força extraordinária que faz com que um texto torne-se apaixonante para quem o lê.
A construção cena-a-cena, o uso de símbolos de status e diálogos estão intimamente ligados às técnicas de captação de dados. É fácil perceber que para serem capazes de reproduzirem com maior fidelidade os acontecimentos e diálogos que constroem uma história, os jornalistas da época viam-se obrigados a participar efetivamente da vida dos seus personagens. Para escrever O Duque em seus Domínios, o famoso perfil de Marlon Brando para o The New Yorker, em 1956, Capote tornou-se tão próximo do ator que ele acabou esquecendo da sua condição de jornalista e acreditou que havia se estabelecido uma relação de amizade entre os dois. "Aquele pequeno canalha passou a metade da noite contando os seus problemas. Achei que o mínimo que poderia fazer era contar-lhe os meus" (Brando apud Instituto Gutenberg, 1998).
Quanto ao uso dos diálogos podemos afirmar que a sua presença, além de aproximar o formato do texto jornalístico ao de uma obra de ficção como o conto ou o romance, torna o ritmo da leitura mais agradável e, portanto, tem um poder muito maior de persuasão. Sobre este aspecto, Wolfe afirma que:
Os escritores de revistas, como os primeiros romancistas, aprenderam a base de algo que desde então tem sido demonstrado nos estudos acadêmicos: isto é, que o diálogo realista cativa o leitor de forma mais completa que qualquer outro procedimento individual. (1976, p.50)
Além disso, os diálogos ajudam a compor com maior profundidade os personagens históricos ou tipificados, uma vez que através da sua linguagem, maneirismos e reações é possível informar muito mais e de maneira muito mais direta e precisa ao leitor do que por meio de descrições.

Quanto ao uso do ponto de vista na terceira pessoa, ele serve principalmente para dar ao leitor a sensação de estar presente na cena que está sendo descrita, experimentando as sensações através da focalização em uma personagem em particular, com a qual deve, necessariamente, identificar-se. Isto demonstra o quanto é importante a habilidade do autor em fazer com que os seus personagens despertem empatia nos seus leitores, justificando assim o emprego das outras duas técnicas supracitadas.

O uso do ponto de vista na terceira pessoa permite também ao autor que varie o foco narrativo sem causar estranheza e nem pôr em risco a credibilidade do seu texto. Em um texto jornalístico (ou seja, claramente não-ficcional) escrito em primeira pessoa, seria impossível acreditar na hipótese de reproduzir com precisão os pensamentos de uma outra pessoa. Através de uma intensa bateria de entrevistas com cada personagem, contudo, é possível extrair-lhes confissões, segredos e outras particularidades de suas personalidades para, posteriormente, utilizar estas informações na confecção do texto.

A intensa descrição de gestos, hábitos e outras particularidades dos personagens não é gratuita e a sua função não se limita a enriquecer e enfeitar a narrativa. Vem a ser mais um recurso que demanda uma pesquisa bastante atenta e reverte-se em elementos que ajudam a aprofundar ainda mais o nível de informação que o leitor recebe sobre determinado personagem. Os símbolos de "status da vida" (Wolfe, 1976, p.51) ajudam o leitor a compreender melhor o lugar em que o personagem está situado no mundo. As descrições tanto de ambientes quanto de comportamentos são, em geral, bastante ricas, de modo a informar ao leitor o máximo possível.
1.3. O que é Gonzo Journalism?

No começo da segunda metade da década de 60, em pleno auge das novas liberdades editoriais de que gozava o New Journalism na imprensa norte-americana, surge uma interpretação extremada dos seus princípios sob a forma de um jornalista free-lancer do Kentucky, chamado Hunter S. Thompson. Criador e principal representante de uma modalidade de jornalismo literário denominada Gonzo Journalism, Thompson propôs a transposição da barreira essencial que separa o jornalismo da ficção: o compromisso com a verdade. Também chamado de jornalismo fora-da-lei, jornalismo alternativo e cubismo literário, o gênero inventado por Thompson tem sua força baseada na desobediência de padrões e no desrespeito de normas estabelecidas, além da insistência em quatro grandes temas: sexo, drogas, esporte e política.
Uma vez que as origens e postulados do gênero estão intimamente ligados à vida do próprio Thompson, faz-se necessário um breve histórico do autor.
Hunter Stockton Thompson nasceu durante a Depressão norte-americana, em 18 de julho de 1939 (as biografias divergem quanto ao ano, registrado algumas vezes 1937), em Louisville, no Kentucky, estado sulista que, segundo a pesquisadora canadense Christine Othitis conta com um "rico folclore no que diz respeito a varrer da face da terra tribos indígenas e monstros, além das conexões com grupos de ódio" (1994). Criança hiperativa, Thompson tinha a tendência de empregar sua energia para fins violentos e destrutivos, como o provalecimento na escola e a destruição de propriedade. Além de ser conhecido na vizinhança pelo hábito de atirar pedras e disparar armas de pressão, uma de suas brincadeiras preferidas durante a infância era "Norte-sul" (Othitis , 1994), na qual ele e seus amigos reproduziam batalhas da Guerra Civil norte-americana. As relações com a escrita e os desvios de conduta acompanham Hunter desde muito cedo. Aos oito anos de idade, Thompson é convidado pelo amigo Walter Kaegi Jr., então com 10 anos, a escrever sobre estas batalhas para um jornal de bairro chamado Southern Star. Na mesma época é registrado o seu primeiro atrito com a lei:
Ele e um grupo de garotos vandalizaram um banheiro masculino do Parque Cherokee, atirando latas, espalhando lixo e pichando as paredes. O grupo foi pego pela polícia e levado à delegacia, onde uma ocorrência chegou a ser preenchida. (Giannetti, 2002, p.22)
A constante presença de álcool e drogas na sua narrativa não é acidental. Seus pais, Virgina Ray e Jack, eram alcoólatras e freqüentemente tinham surtos violentos. Extremamente rígido, Jack costumava disciplinar os filhos com castigo físico, mas isso não incutiu em Thompson um sentimento de ódio contra o pai. A morte de Jack aos 57 anos, vítima de uma embolia cerebral, foi um impacto muito duro para Thompson, então enciumado pela atenção que o pai lhe negligenciava em favor do irmão caçula, Jim, com apenas um ano de idade. Virginia afundou-se ainda mais no vício e ele também começou a beber. Na época, Thompson tinha 15 anos.
Até então, Thompson era um atleta muito versátil, tendo organizado ele mesmo a maioria das equipes das quais fazia parte, do baseball até o basquete. O ambiente em que foi criado era propício: Louisville é famosa por ser o lar da primeira fábrica de bastões de baseball - os lendários Louisville Sluggers -, além de sediar anualmente o Kentucky Derby, um dos mais importantes eventos do turfe norte-americano. Seu pai também exerceu influência neste aspecto, sendo ardoroso fã do Kentucky Colonels, a equipe de baseball da cidade. Depois da morte do pai, contudo, ele acabou conseguindo um emprego no balcão de doces de uma lojinha na qual "não hesitava em comer os doces que deveria vender e logo que começou a ganhar peso, teve que deixar o time Castlewood" (Giannetti, 2002, p.22).
Ainda que tenha se afastado da prática de esportes, Thompson manteve o interesse escrevendo sobre o assunto para o Southern Star, que agora já havia aumentado em número de leitores e páginas. Isto, contudo, não o afastou dos problemas com a justiça: por volta dos 17 anos, Thompson costumava convencer colegas da escola a matarem aula para beber com ele, o que mais tarde acabou dando origem a um grupo que batizaram de The Wreckers, cuja principal atividade era praticar atos de vandalismo pela cidade. Por conta desse tipo de atividade, pouco antes de completar 18 anos, Thompson é condenado a sessenta dias de prisão por um assalto.Por sugestão do juiz que o condenara, ele aceita alistar-se na Força Aérea como parte da sentença.
Mandado à base de Eglin, durante algum tempo Thompson escreveu para o jornal Command Courrier. Ainda que a maioria dos soldados gostasse das suas matérias, ele não era muito popular entre os comandantes, que o consideravam um problema moral. Além disso, Thompson desobedecia a oficiais e às normas da base e escrevia com freqüência para outros lugares - o que não lhe era permitido. Apesar disso, conseguiu ser dispensado de Eglin com honras. Depois de enfrentar os mais variados problemas em pequenos diários nas cidades por onde passou, Thompson aceitou o convite de cobrir a América Latina para o National Observer e, mais tarde, de residir em Porto Rico escrevendo sobre boliche para a revista El Sportivo. O editor, na época, convenceu Thompson de que a revista seria a "Sports Illustrated do Caribe" (Othitis, 1994) mas não foi bem isso que aconteceu:
Eles estavam introduzindo o boliche em Porto Rico. Eu tinha de sair todas as noites para cobrir boliche em San Juan. O boliche estava ficando grande. Pistas estavam pipocando por todos os lados. O que se pode dizer sobre boliche? Os jogadores só querem ver seus nomes impressos. Esse era o essencial... cerca de metade do meu trabalho era garantir que todo jogador de boliche em San Juan tivesse seu nome na revista... e desde então eu odeio a palavra boliche. (Thompson, 1990, p.65).
A monotonia do trabalho acabou fazendo com que Thompson voltasse aos Estados Unidos em 1962, pouco tempo depois do assassinato do presidente Kennedy, e comprasse uma propriedade em Woody Creek, Colorado, que mais tarde tornou-se conhecida como Owl Farm, onde ele reside até hoje. Em busca de trabalho, Thompson percorreu todos os estados do meio-oeste e oeste escrevendo sobre "festivais de música e questões de interesse público" (Othitis, 1994) para o National Observer. A sua insistência em acrescentar conteúdo político às matérias contribuiu para que ele fosse designado para resenhar livros, mas antes disso os atritos com o National Observer começaram a se agravar com a recusa do jornal em publicar um tributo ao presidente Kennedy. Por fim, Thompson demitiu-se do National Observer quando recusou-se a escrever um artigo sobre o livro de Tom Wolfe The Kandy-Colored Tangerine Flake Streamline Baby.
Assim como muitos de seus contemporâneos, Thompson enfrentava o dilema do especialista em reportagem: queria escrever ficção mas via-se obrigado a buscar refúgio na sobriedade do jornalismo enquanto não alcançasse algum êxito literário. O surgimento do New Journalism veio renovar as esperanças de todos os aspirantes à romancistas - com Thompson não foi diferente. Utilizando técnicas de imersão semelhantes às de Dickens descritas anteriormente neste trabalho, ele decidiu viver durante dezoito meses entre os membros da gangue de motociclistas Hell's Angels para escrever um artigo publicado em 1965, na revista Nation.
A reputação dos Hell's Angels havia se alastrado pelo país desde que um relatório feito pelo então Secretário de Segurança da Califórnia, Thomas C. Lynch, havia os considerado uma ameaça. O famoso Lynch Report trazia denúncias de estupro, vandalismo e brigas causadas pelos motoqueiros, muitas delas baseadas em evidências bastante questionáveis. "Trazia, por exemplo, uma denúncia de estupro que havia sido feita pela vítima às risadas, sem que o exame de corpo delito tivesse encontrado sinais de penetração forçada" (Giannetti, 2002, p.28). O relatório ajudou a alimentar uma safra de matérias sensacionalistas sobre os Hell’s Angels, que muitas vezes não correspondiam ao que de fato havia acontecido. A idéia de Thompson era mostrar às pessoas até que ponto o Lynch Report se baseava na realidade, comparando trechos do relatório com as suas experiências na convivência com o grupo.
Durante esse ano e meio com os motoqueiros, Thompson participou de todas as atividades ilegais às quais eles estavam ligados. Eventualmente ele acabou se deparando com a questão do consumo de drogas entre os membros da gangue, e falou sobre o assunto de forma aberta e sem meias-palavras:
Os Angels insistem em dizer que não há viciados em drogas em seu clube, e, para todos os efeitos legais e médicos, isso é verdade. Viciados são centrados; sua necessidade física por qualquer que seja a droga em que estejam viciados os força a serem seletivos. Mas os Angels não têm foco algum. Eles devoram drogas como vítimas da fome soltas em um raro banquete. Eles usam qualquer coisa que esteja disponível e se o resultado disso forem gritos e delírio, então que seja. (Thompson apud Giannetti, 2002, p.29)
A idéia de Thompson nunca foi a de redimir os Hell's Angels perante a sociedade, por isso fazia questão de demonstrar que eles, de fato, viviam à sua margem. Thompson tinha uma preocupação em mostrar os dois lados desta mesma questão e deixar para o leitor a formação dos seus próprios conceitos, fugindo assim do sensacionalismo que imperava nas matérias sobre os motoqueiros.
É interessante ressaltar que foi justamente neste período junto com os Hell’s Angels que Thompson tornou-se consumidor habitual de entorpecentes, mais uma característica que o acompanharia em toda a sua obra a partir de então. O primeiro contato com o LSD é descrito pela jornalista Cecília Giannetti na sua monografia de conclusão do curso de graduação em jornalismo, Técnicas Literárias em Jornalismo Cultural:
Foi no período passado junto aos Hell´s Angels que Thompson experimentou o LSD pela primeira vez. O jornalista Ken Kesey, que o visitou em um agrupamento de Angels, ofereceu a droga e todos usaram. Foi depois dessa primeira experiência que Thompson passou a usar drogas com freqüência. (2002, p.29)
A repercussão da matéria fez com que diversas editoras fizessem propostas para editar um livro, que acabou sendo publicado pela Random House em 1967 sob o título Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang e reeditado mais de 35 vezes.
É importante observar que, ainda que as técnicas usadas para captar as informações e escrevê-las já fossem mais ousadas do que as praticadas pelo New Journalism, este artigo ainda não é considerado um exemplo do Gonzo Journalism. Wolfe escreve sobre essa variação dentro do New Jornalism no qual o repórter participa da ação de forma mais direta, sem, no entanto, referir-se a ele como um gênero à parte:
Em 1966 surgiu uma nova leva de jornalistas dispostos a se infiltrar em qualquer ambiente, incluindo-se sociedades fechadas, e sair com vida da empreitada. (...) Mas o prêmio Bolas de Ferro para escritores independentes correspondeu aquele ano a um obscuro jornalista da California chamado Hunter Thompson, que misturou-se aos Hell's Angels durante 18 meses - como repórter, não como membro para escrever Hell's Angels: The Strange and Terrible Saga of the California Motorcycle Gang (...) (1973, p.44)
O principal motivo pelo qual Hell’s Angels, ainda que escrito por Thompson, não seja categorizado como Gonzo Journalism é a ausência de algumas características fundamentais que serão descritas nos próximos capítulos deste trabalho. Outros autores, como Christine Othitis, reconhecem que: "Hell's Angels provavelmente é o único livro de Thompson que poderia ser chamado de new journalism (...) é o primeiro - e único - livro no qual Hunter mantém um estilo controlado de se expressar, no sentido de "escritura não-gonzo" (Othitis , 1994a).
Seu primeiro artigo a ser batizado de gonzo só foi publicado em 1970, na edição de junho da Scanlan's Monthly, uma revista de esportes que teve vida curta. The Kentucky Derby is Decadent and Depraved deveria ser um artigo sobre o mais famoso evento esportivo de Louisville mas acabou transformando-se numa ácida crítica ao modo de vida da população local, outra característica que se viu, a partir daí, em praticamente toda sua obra. George Plimpton descreve a tendência que Thompson tem de mudar de um assunto pro outro como uma tentativa de escrever sobre aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler. Na biografia Hunter, E.Jean Carroll entrevista Plimpton, que afirma que Thompson é uma "persona literária, e isso é muito raro" (1993, p.147). The Kentucky Derby is Decadent and Depraved não é realmente sobre a corrida de cavalos. De fato, a corrida em si aparece em cerca de 1% do artigo (aliás, o vencedor da corrida nunca é mencionado). A história é devotada ao encontro de Thompson com um bobalhão em um bar, caipiras de Kentucky, o encontro com o cartunista Ralph Steadman e a janta que os dois compartilham com o irmão de Thompson e a sua mulher.
Bill Cardoso, jornalista e amigo de Thompson foi quem cunhou o termo em uma carta sobre o artigo: "Eu não sei que porra você está fazendo, mas você mudou tudo. É totalmente gonzo" (Carroll apud Othitis, 1994a). Segundo Cardoso, a palavra orignou-se da gíria franco-canadense gonzeaux, que significaria algo como "caminho iluminado". Thompson adota o termo e pouco tempo depois aceita o convite de cobrir a Mint 400, uma corrida de motos no deserto de Nevada, para a Sports Illustrated. Na companhia de um amigo advogado, ele parte em direção a Las Vegas mas logo deixa de lado a corrida para concentrar-se em uma profunda análise sociológica dos viciados em jogo e drogas e todo o tipo de degenerado que se reúne em volta dos cassinos. O artigo é recusado pela Sports Illustrated, mas ganha destaque em duas edições da Rolling Stone, em novembro de 1971, publicado sob o pseudônimo Raoul Duke. Logo o artigo é editado como livro, sob o título de Fear and Loathing in Las Vegas: A Savage Journey to the Heart of the American Dream.
Ainda que seja um dos seus livros preferidos - e um clássico de culto -, Thompson sempre disse que esta foi uma experiência fracassada em gonzo jornalismo. "Minha meta era comprar um caderno grossão, escrever tudo à medida que ia acontecendo e aí mandá-lo, sem editar" (Othitis, 1994a). De todo modo, é com esse livro que Thompson conquista definitivamente o reconhecimento popular e o status de estrela tornando-se um dos mais fortes ícones de contracultura norte-americana no século XX, com direito a ter dois filmes de Hollywood baseados em seus textos. O primeiro, Where The Buffalo Roam (1980) traz o comediante Bill Murray no auge de popularidade no programa de televisão Saturday Night Live no papel de Hunter. Em 1998 é a vez de Johnny Depp estrelar a versão para o cinema de Fear and Loathing in Las Vegas. Othitis diz que o "Gonzo Journalism era um novo tipo de fenômeno do qual todos queriam fazer parte" (Othitis, 1994b).
Nos anos seguintes Thompson segue desenvolvendo o Gonzo Journalism em artigos para revistas como a Playboy e Rolling Stone, San Francisco Chronicle e, mais raramente para a Esquire e Vanity Fair e na publicação dos livros Fear and Loathing on the Campaing Trail '72, que originou-se de uma série de artigos para a Rolling Stone sobre a campanha presidencial de 72 de Nixon versus McGovern; The Curse of Lono, que deveria falar sobre a Maratona de Honolulu mas se perde em divagações sobre o folclore local; The Great Shark Hunt, que traz alguns de seus melhores artigos publicados em revistas; e Generation of Swine, coletânea de suas colunas da época de crítico de mídia no San Francisco Examiner.
Outros livros lançados por Thompson incluem Songs of the Doomed, de 1990, onde ele critica a geração pós-anos 60 que, segundo ele, teria traído o sonhos de uma "Nação Woodstock"; Better Than Sex, de 93, onde mais uma vez aparece o seu comentário político sobre a campanha presidencial de Bill Clinton em 1992; The Proud Highway: Saga of a Desperate Southern Gentleman, 1955-1967, publicado em 1997 é uma coletânea de cartas, assim como a segunda parte da antologia, Fear an Loathing in America: The Brutal Odyssey of an Outlaw Journalist, 1968-1976, publicado em 2000. Seu último livro a ser publicado foi o romance perdido The Rum Diary, em 1999, escrito no Brasil e em Porto Rico durante a época do El Sportivo. O livro conta a história de um jornalista anônimo (presume-se que seja ele mesmo), que, junto dos amigos acaba envolvendo-se profundamente na vida noturna portoriquenha.
Atualmente Thompson vive sozinho na Owl Farm, em Woody Creek, Colorado, onde passa seus dias caçando ursos e disparando contra quem tenta se aproximar de sua propriedade. Há um bom tempo comunica-se com o mundo apenas através do seu aparelho de fax. Mais recentemente vem escrevendo uma coluna semanal sobre esportes no website da emissora de televisão a cabo ESPN, sob o título Hey, Rube!
Gonzo Journalism é um formato extremamente peculiar de se fazer uma reportagem, desde a captação dos dados até a sua redação. Assim como o New Journalism, o Gonzo Journalism é um movimento que carece de manifestos ou regras. Desta forma, existem várias definições para o estilo de reportagem criado e desenvolvido por Hunter S. Thompson a partir do seu artigo sobre o Kentucky Derby para a Scanlan's Monthly. O próprio Thompson tem mais de uma definição para Gonzo Journalism, sendo a mais famosa:
Um estilo de reportagem baseada na idéia do escritor William Faulkner segundo a qual a melhor ficção é muito infinitamente mais verdadeira que qualquer tipo de jornalismo - e os melhores jornalistas sempre souberam disso. (apud Burns, 2001)
Com isto, Thompson não quer dizer que a ficção seja um gênero melhor do que o jornalismo - e nem o contrário. Thompson acredita que tanto a ficção quanto o jornalismo são categorias artificiais (Giannetti, 2002) e que as duas, quando feitas da melhor forma possível, são caminhos diferentes para um mesmo fim: informar alguém sobre alguma coisa. Uma peça literária, seja de ficção ou não-ficção, cujo principal objetivo seja o de informar, necessita de um escritor que imprima verossimilhança às informações. Ou seja, precisa ser "semelhante a verdade; que pode ou parece ser verdadeiro" (Minidicionário da Língua Portuguesa, 1992).
Este conceito está intimamente ligado à coleta de informações e fatos. Thompson costumava dizer que o bom Gonzo Jornalista deveria ter o talento de um grande jornalista, o olho de um fotógrafo, e os culhões de um ator, ou seja, viver a ação e reportá-la enquanto - e como - estivesse se desenrolando. Esta técnica é comparável ao que atores chamam de method acting. Atores que escolhem esta técnica procuram transformar-se no seu personagem para capturar a sua essência, como DeNiro fez em Touro Indomável, Val Kilmer em The Doors, Marlon Brando em Apocalypse Now e até mesmo Bill Murray em Where the Buffalo Roam e Johnny Deep em Fear and Loathing in Las Vegas. A diferença aqui é que Thompson era sempre o seu próprio personagem.
Um repórter que passe seis meses morando em uma favela para escrever uma reportagem sobre o tráfico de drogas e a sua relação com a comunidade estará exposto ao mesmo nível de informações que um escritor em situação semelhante estaria. Tanto um romance quanto um artigo jornalístico escrito a partir do mesmo material coletado podem oferecer retratos bastante acurados desta realidade - ainda que o primeiro possa utilizar-se de recursos como a inserção de personagens e situações que não necessariamente existiram. É possível ser verossímil sem ter um compromisso estrito com a verdade, desde que o autor esteja devidamente inserido naquilo sobre o que está escrevendo.
No artigo de abertura escrito por Mark Kramer para Literary Journalism - A New Collection Of The Best American Non-Fiction, ele enumera oito regras que devem ser seguidas pelo jornalista literário. A primeira delas é justamente "imergir-se no universo do assunto da reportagem" (apud Giannetti, 2002, p.8). Kramer observa que os jornalistas de tradição literária costumam acompanhar suas fontes durante muito tempo, de modo a "garantir a compreensão do tema de maneira que mostre níveis diferentes das pessoas em suas rotinas" (Giannetti, 2002, p.8). Todo o processo de levantamento de dados, desde um estudo prévio sobre o tema, o trabalho de campo e uma reflexão sobre todo o material coletado permite que, no final do trabalho, o autor conte com um nível de informações tal que se veja capaz de construir situações ou personagens absolutamente ficcionais, mas verossimilhantes o suficiente para serem acreditados como verdadeiros.
Thompson admite que muitas das histórias descritas em seus artigos nunca aconteceram. Seu estilo de escrever, de caráter extremamente confessional (principalmente pelo uso obrigatório do narrador na primeira pessoa) e fazendo uso de uma linguagem clara e direta, faz com que o leitor acredite que os fatos que estão sendo expostos correspondam exatamente ao que aconteceu, ainda que muitas das situações que fazem parte de sua obra pareçam inacreditáveis. Por outro lado, o estilo de vida exagerado e fanfarrão de Thompson lhe confere uma aura de legitimidade quando ele fala sobre personagens bizarras ou situações extremas. A isso, juntam-se as testemunhas de eventos surreais, como o descrito por E. Jean Carroll, no seu Hunter, uma das mais completas biografias sobre o autor. O fato aconteceu em San Juan, em Porto Rico, quando ele trabalhava para o Sportivo. Thompson e Robert Bone, um fotógrafo do The Middletown Daily Record estavam no lixão da cidade, atirando em ratos, quando a polícia os deteve. Bone descreve o ocorrido da seguinte forma:
Nós fomos detidos e levados à cadeia mas Hunter, claro, com o seu considerável charme, começou a fazer amizade com os policiais. Naturalmente nos livramos da arma, então havia alguma dúvida... acabamos tomando café com os policiais. Foi então que Hunter colocou seus pés em cima da mesa, enclinou-se para trás e balas da Magnum .357 rolaram para fora do seu bolso. Nos jogaram de volta na cadeia e ligaram para a embaixada. (Carroll, 1993, p92).
Por ser uma persona literária, Thompson não conseguia dissociar sua vida e sua obra, o que ajudava a alimentar a controvérsia sobre a veracidade dos episódios que relatava. Algumas mentiras, entretanto, acabaram desmascaradas. No artigo The Kentucky Derby is Decadent and Depraved, ele fala sobre como pegou o cartunista galês Ralph Steadman para conhecer seu irmão, Davidson, e a sua mulher. O incidente aconteceu, mas não em Kentucky e certamente não com Davidson. Aconteceu em Woody Creek, e Ralph estava bêbado. Foi de um amigo da família, Bonnie Noonan, de quem Ralph desenhou a caricatura feia.
Outra histórica grotescamente exagerada foi The Death of Russell Chatham, que apareceu originalmente no San Francisco Chronicle. Sem idenficar-se como o autor, Thompson escreveu um obituário convincente sobre o artista de Montana, dizendo que ele havia sido assassinado por engano enquanto pescava. Thompson inventou uma história bizarra na qual Chatham teria sido fisgado por alguns pescadores em um barco que o espancaram até a morte pensando que fosse um peixe. Enquanto a maior parte das pessoas entendeu a piada, aparentemente, alguns colecionadores de arte foram completamente enganados.
As versões do próprio Thompson sobre as coisas que aconteceram também variam ao longo dos anos. Por exemplo, às vezes ele diz que o caroneiro que aparece logo nas primeiras páginas de Fear and Loathing in Las Vegas era real; outras vezes diz que foi inventado. De qualquer forma, isto não interessa para quem lê a história. O tímido caroneiro estava ali para funcionar como testemunha do nível de loucura compartilhado pelos dois tripulantes do conversível vermelho. Ele poderia tanto ser uma alucinação provocada pelo abuso de drogas quanto uma pessoa real ou ainda um mero elemento narrativo acrescentado para extrair uma maior quantidade de informações sobre os personagens, como no trecho:
Por quanto tempo manteremos esta situação? - ponderei. Quanto tempo até que um de nós comece a falar de forma descontrolada e sem sentido com este garoto? O que ele vai pensar, então? Este mesmo solitário deserto foi o último lar conhecido da família Manson. Ele fará esta desagradável conexão quando meu advogado começar a gritar coisas sobre morcegos e gigantescas arraias descendo até o carro? Se sim - bem, teremos que cortar sua cabeça e enterrá-lo em algum lugar. É desnecessário dizer que não podemos deixá-lo ir. Ele nos denunciaria rapidinho para algum tipo de autoridade nazista, que nos perseguiria como cães. (Thompson, 1971, p.5)
A presença do caroneiro cria um desconforto no carro, onde Thompson e seu advogado percorrem a rodovia que cruza o deserto rumo a Las Vegas consumindo uma quantidade extraordinária de drogas. Neste trecho percebemos também o quanto Thompson está drogado, uma vez que cogita a possibilidade de assassinar o rapaz baseado nos seus próprios delírios paranóicos e, ao mesmo tempo, o quanto tem consciência deste estado - e o quanto teme a imprevisibilidade das suas reações sob o efeito das drogas. Podemos concluir ainda que ele conhece as suas reações sob o efeito das drogas porque já esteve muitas vezes nesta situação - mais uma das principais características do Gonzo Journalism.
Até aqui, podemos identificar pelo menos quatro características essenciais ao gênero:
a) Captação participativa
O Gonzo jornalista não se contenta em observar ou recolher depoimentos de pessoas que vivenciaram determinadas experiências. Para oferecer uma maior dimensão de informações, ele próprio precisa viver a experiência. Tornando-se parte do objeto de sua reportagem, o Gonzo jornalista acaba interferindo - ainda que involuntariamente - no destino da história.
b) Dificuldade de discernir ficção da realidade
Para o Gonzo jornalista é permitido o uso de personagens e situações que nunca existiram, se isso contribuir para aumentar o nível de informações dispensado ao leitor e conferir maior dramaticidade à cena que está sendo descrita. É importante também que a diferença entre ficção e realidade não seja jamais explicitada.
c) Consumo de drogas
Ainda que não seja necessariamente uma exigência para que um artigo seja considerado Gonzo, o abuso de drogas e também de bebidas alcoólicas é recorrente na obra de Thompson. Em Fear and Loathing in Las Vegas, por exemplo, um capítulo inteiro do livro é dedicado ao uso do adrenochrome, uma droga raríssima e incrivelmente potente. No livro, o abuso de drogas é a característica mais predominante, o que contribui para que se acredite, erroneamente, que o Gonzo Journalism é apenas um formato de reportagem feito sob o efeito de drogas. A diferença entre as duas coisas será abordada nos próximos capítulos deste trabalho.
d) Uso do narrador na primeira pessoa
Uma vez que a captação de dados é feita de forma participativa, o uso da primeira pessoa imprime legitimidade às histórias contadas pelo Gonzo jornalista e o transforma em uma espécie de jornalismo confessional.
Em seu artigo The Beginnings and Concept of Gonzo Journalism (1994a), Christine Othitis enumera sete características que, segundo ela, estão sempre presentes na obra de Hunter Thompson. Para a autora, Thompson é o "único gonzo jornalista do mundo" (Othitis, 1994) e, sendo assim, não há nada com o que comparar o seu trabalho a não ser com ele mesmo. As sete características apontadas por Othitis são:
a) Abordagem de assuntos relacionados ao sexo, violência, drogas, esportes e política
Nem todo texto Gonzo precisa estar relacionado com algum destes quatro temas, mas a obra de Thompson, de um ou outro jeito, está. Thompson tem a tendência de escrever sobre assuntos nos quais ele está pessoalmente envolvido e faz questão de conhecê-los muito bem. Os temas predominantes em sua obra não são estes por acaso: aparecem em sua obra justamente por representarem as principais obsessões da maioria do povo norte-americano. "Deste modo, Thompson não está escrevendo só a seu respeito - literalmente - mas para uma grande fatia da população." (Othitis, 1994a)
b) Uso de citações de gente famosa e outros escritores - ou às vezes, dele mesmo - como epígrafe
Este recurso estilístico é largamente utilizado por Thompson e serve para situar o leitor no clima da narrativa e oferecer uma pequena prévia do que ele vai encontrar nas páginas a seguir. Para abrir Fear and Loathing In Las Vegas, por exemplo, Thompson usa uma frase do Dr. Johnson: "Aquele que faz uma besta de si, livra-se da dor de ser um homem" (Thompson, 1971). O livro, essencialmente, fala sobre duas pessoas que chegam a um extremo tanto no consumo de drogas como no relacionamento com as outras pessoas. Thompson e seu advogado consomem doses maciças de todo o tipo de substância entorpecente e depois invadem, roubam, vandalizam e mentem. Em suma, brutalizam-se.
Em Generation of Swine, Thompson abre o livro com "E eu lhes darei a estrela da manhã" (Thompson, 1980), uma frase de Revelações, da Bíblia. É uma citação muito apropriada, já que depois de falar interminavelmente sobre hotéis e idiotas, ele começa a discorrer sobre a sua idéia do inferno.
O oitavo capítulo de Fear and Loathing in Las Vegas é uma longa sucessão de argumentos que discorrem sobre o fim do movimento hippie nos anos 60 e os órfãos dessa geração que se vêem obrigados a preencher este vazio através do abuso de drogas, como ele e seu advogado. A epígrafe usada neste capítulo é uma frase de Art Linkletter "Gênios em todo o mundo, de pé, de mãos dadas, e um choque de consciência faz todo o círculo girar" (Thompson, 1971, p.63).
c) Referências a figuras públicas como jornalistas, atores, músicos e políticos
Esta característica da obra de Thompson relaciona-se com a popularização do Gonzo Journalism como elemento da cultura pop norte-americana. Por falar abertamente sobre drogas e tecer comentários políticos sem meias-palavras na Rolling Stone (onde foi originalmente publicado o material sobre o embate eleitoral Nixon vs McGovern que depois foi editado como Fear and Loathing: On the campaign trial '72), Thompson tornou-se muito popular entre os jovens e demais inseridos na contracultura durante os anos 70. Logo depois da publicação de Hell's Angels, os artigos de Thompson na Rolling Stone e na Playboy provocavam filas nas bancas. Nos grandes centros urbanos, o rosto de Thompson e o logotipo do Gonzo Journalism - um punho em forma de adaga cuja mão segura um botão de peiote, conhecido alucinógeno indígena extraído de algumas espécies de cacto - passaram a adornar camisetas e posters.
Por conta disso, ele acabou virando inspiração para um personagem do cartunista Gary Trudeau chamado Uncle Duke, na popular tira de jornais Doonesbury. As referências a figuras públicas mostram o quanto ele está ligado no que está acontecendo - e quais são as suas posições em relação a isso.
d) Tendência de se distanciar do assunto principal - ou do assunto por onde o texto começou
George Plimpton descreve a tendência que Thompson tem de mudar de um assunto pro outro como uma tentativa de escrever sobre aquilo que ele acredita que os seus leitores querem ler. (Othitis, 1994a) Na maior parte do tempo, Thompson está escrevendo sobre o comportamento das pessoas.
Em grande parte de sua obra, a narrativa começa com a tarefa de cobrir determinado assunto para a imprensa tradicional mas Thompson acaba atraído pela possibilidade de discorrer sobre o componente humano presente na história. Neste ponto, é interessante ressaltar o que Wolfe escreveu sobre Gonzo Journalism:
Uma forma de jornalismo em que o repórter é chamado para fazer um artigo sob encomenda (...) mas acaba escrevendo uma curiosa forma de autobiografia. Não se trata de autobiografia no sentido usual, porque o escritor se coloca na ação sem outro motivo que o de escrever algo. O tema acaba por ser puramente casual e o escritor tem de usar o talento para enganar o leitor, fazendo com que aquilo pareça fascinante. Hunter Thompson é o mestre desta forma, que se denomina gonzo jornalismo. (1976, p.95)
Em The Kentucky Derby is Decadent and Depraved, quando deveria fazer um artigo sobre a corrida de cavalos, Thompson escreve sobre os capiras do Kentucky; em Fear and Loathing in Las Vegas, ele deixa a cobertura da Mint 400 de lado para falar sobre os viciados em drogas, policiais, empregados de hotel, turistas, ciclistas, malucos e repórteres em Las Vegas; Em The Curse of Lono, Thompson buscava entender o que leva tanta gente a correr na Maratona de Honolulu mas acaba falando sobre o folclore local e dos seus esforços em pescar um Marlin Gigante. Mesmo em Generation of Swine, uma coletânea de suas colunas nos tempos de crítico de mídia no San Francisco Examiner, Thompson faz uso desta lógica: "Em vez de estar realmente opinando sobre a mídia, ele opiniava sobre o comportamento de algumas das mais famosas personalidades da época - Reagan, Bush, os Bakers, Qhadaffi e o resto da ‘escória’." (Othitis, 1994b)
e) Uso de sarcasmo e/ou vulgaridade como forma de humor
O escritor P.J. O'Rourke, amigo pessoal de Thompson, é quem diz, durante entrevista que realizou com o inventor do Gonzo Journalism para a Rolling Stone, em 1996:
Duas coisas separam Hunter Thompson da horda comum de profetas ansiosos da literatura moderna. Primeiro, Thompson é melhor escritor... Segundo, Thompson nos faz rir. Isso é uma coisa que é improvável que façamos durante a apresentação de... Esperando por Godot, ainda que estejamos tão doidões quando Raoul Duke. Hunter Thompson pega as questões mais sombrias da ontologia, os mais sérios questionamentos epistemológicos e, através da sua maneira de apresentá-los, nos contorce de rir, nossos corpos doendo do sovaco à virilha, nossos joelhos vermelhos de tanto levar tapas, cerveja espirrando de nossos narizes. Rimos tanto que, a qualquer momento, podemos vomitar como o advogado Samoano de 150 quilos. (1966, p.66).
A maior parte do tempo, Thompson está sendo sarcástico. Em Fear and Loathing in Las Vegas, é essencialmente nisso que se baseia a sua relação com o seu advogado constantemente drogado. O sarcasmo aparece aí em dois níveis: um primeiro, explícito nos diálogos e descrições; e um outro, mais profundo, que sugere que Thompson esteja o tempo todo sendo sarcástico consigo mesmo, ao fazer pouco caso do perigo real que representa fazer de bobo o seu advogado armado e perturbado pelas drogas. Em um dos muitos trechos em que o sarcasmo de Thompson pode ser identificado, o advogado está telefonando para Lucy, uma jovem e religiosa pintora de retratos que havia conhecido em um vôo e a quem havia oferecido LSD:
Ele ligou para o Americana e pediu o 1600. "Oi Lucy," ele disse. "Sim, sou eu. Eu recebi a sua mensagem... o quê? Não, droga, eu ensinei ao desgraçado uma lição que ele nunca esquecerá... o quê? ... Não, não está morto, mas não vai incomodar ninguém durante algum tempo... sim, eu o levei para fora; eu o pisoteei e depois arranquei todos os seus dentes..." Jesus, pensei. Que coisa terrível para se dizer a alguém com a cabeça cheia de ácido. (1971, p.129)
Um pouco antes, Thompson e o advogado mantêm a menina presa em seu quarto viajando de LSD, quando discutem o que vão fazer com ela:

"Bem..." Eu disse. "Quais são seus planos?”
"Planos?"
Esperávamos o elevador.
"Lucy" Eu disse.
Ele sacudiu a cabeça, tentando manter o foco na questão. "Merda", ele disse finalmente. "Eu a encontrei no avião e tudo que eu tinha era esse ácido" Ele murmurou. "Você sabe, aquelas pílulas azuizinhas. Jesus, ela é uma fanática religiosa. Ela está fugindo de casa, tipo, pela quinta vez em seis meses. É terrível. Eu dei as pílulas a ela antes de me dar conta... merda, ela nunca tinha nem bebido!"
"Bom," Eu disse, "provavelmente dará tudo certo. Nós podemos mantê-la drogada e prostituí-la na convenção de drogas".
Ele me encarou.
"Ela é perfeita para este serviço," eu disse. "Estes policias pagariam 50 paus por cabeça para cobrí-la de porradas e depois fazer uma suruba. Nós podemos colocá-la em um daqueles motéis de segunda, pendurar imagens de Jesus por todo o quarto e depois soltar estes porcos em cima dela... ela é toda forte, e sabe se cuidar" (Thompson, 1971, p.114-115)
Naturalmente, Thompson não pretendia de fato fazer da garota uma escrava sexual mas decidiu divertir-se com a situação às custas do seu advogado, que também se encontrava sob o efeito de várias doses de LSD. Seu senso de humor é bastante ácido e sombrio e ele dá crédito à sua mãe pelo seu desenvolvimento. O hilário em Thompson brota do impossível, absurdo e idiota: tanto em coisas que as pessoas dizem quanto em situações em que ele se coloca.
f) Tendência das palavras "fluirem" e um uso extremamente criativo do inglês
Para analisar melhor a presença desta característica, temos de recorrer a trechos retirados dos textos originais de Thompson, mas não é difícil perceber a verdade neste apontamento de Othitis. O segundo parágrafo do quarto capítulo de Fear and Loathing in Las Vegas é um bom exemplo desta característica:
I agreed. By this time the drink was beginning to cut the acid and my hallucinations were down to a tolerable level. The room service waiter had a vaguely reptilian cast to his features, but I was no longer seeing huge pterodactyls lumbering around the corridors in pools of fresh blood. The only problem now was a gigantic neon sign outside the window, blocking our view of the mountains - millions of colored balls running around a very complicated track, strange symbols & filigree, giving off a loud hum... (Thompson, 1971, p.27)
A construção vaguely reptilian cast to his features não é muito comum no inglês coloquial, demonstrando um certo grau de erudição do autor ao ser empregada. Features, sobretudo, é uma palavra utilizada para designar as partes do rosto de uma pessoa. Na frase, Thompson diz que o camareiro tem "formas vagamente reptílicas" nos elementos do seu rosto, o que poderia ser facilmente substituído por algo mais banal, como the room service waiter still looked a bit like a reptile, ou "o camareiro ainda parecia um pouco com um réptil".
O verbo lumbering com este sentido também não é de uso muito freqüente no idioma norte-americano. Neste contexto, lumber, segundo o Cambridge International Dictionary of English, quer dizer "mover-se lenta e deselegantemente" (1995, p.847).
Por fim, a presença incomum da palavra filigree, que refere-se a tanto um tipo de jóia feita de um arame prateado retorcido como, no sentido figurativo, a padrões decorativos. Além disso, todo o trecho quando lido em voz alta é extremamente sonoro, com a mistura de palavras de pronúncia mais entruncada como tolerable ou pterodactyls com outras mais abertas como pools, neon e a expressão loud hum.
g) Descrição extrema das situações
Thompson é um observador rigoroso, percebendo os pequenos detalhes que fogem à atenção da maioria das pessoas, e os aplicando à sua escrita de duas formas. A primeira é a descrição. Geralmente ele consegue expor todos os detalhes pertinentes a um objeto ou pessoa em duas ou três frases, enquanto cria uma representação visual muito forte daquilo que está descrevendo. Por exemplo, em Fear and Loathing in Las Vegas, o carro não é só um conversível vermelho, é um Grande Tubarão Vermelho. Lucy, a jovem pintora com a cabeça cheia de ácido é descrita desta forma no seu primeiro encontro:
Mas a porta atingiu algo que eu imediatamente reconheci como uma forma humana: uma garota de idade indeterminada com o rosto e o porte de um Pit Bull. Ela usava um vestido azul sem forma e os seus olhos estavam furiosos. (Thompson, 1971, p.110)
O Gonzo Journalism geralmente é mais focado na experiência do que no fato em si, e pequenos detalhes que parecem menos importantes acabam ganhando uma dimensão exagerada, como no trecho do primeiro capítulo de The Rum Diary:
Ir a um coquetel em San Juan era ver tudo que há de vulgar e ganancioso na natureza humana. O que passava por sociedade era um barulhento, estonteante redemoinho de ladrões e pretensas putas, um showzinho besta cheio de palhaços e idiotas e filisteus com mentalidades diminutas. É uma nova onda de Okies, indo em direção ao sul em vez do oeste, e em San Juan eles eram reis porque haviam literalmente tomado conta. (Thompson, 1999, p74).
A segunda forma é como ele analisa e interpreta a situação em que está inserido através de longos trechos de monólogo interno, como no capítulo 9 de Fear and Loathing in Las Vegas, no qual Thompson reflete sobre as conseqüências de seus atos desde que chegou à cidade:
Pânico. Ele percorreu minha espinha como as primeiras vibrações de uma viagem de ácido. Todas essas realidades horrendas começaram a amanhecer em mim: Aqui estava eu, completamente sozinho em Las Vegas com esse maldito carro incrivelmente caro, completamente chapado, sem advogado, sem dinheiro, sem matéria para a revista - e ainda por cima eu tinha uma maldita conta gigantesca de hotel para lidar. Dentro daquele quarto nós havíamos pedido tudo que mãos humanas poderiam carregar - incluindo cerca de seiscentas barras de sabonete transparente Neutrogena." (Thompson, 1971, p.70)
Comparando Thompson com Kurt Vonnegut, o crítico literário Jerome Klinkowitz parece ter capturado a essência da reportagem Gonzo:
Os cortes rápidos, o uso estratégico da digressão, a habilidade de se arremessar à narrativa como um piloto de testes, controlando as derrapagens de modo que a mais improvável das intenções resulte nas manobras mais suaves, a atitude de fazer com que a loucura pessoal de um indivíduo esmaeça frente a vida americana contemporânea - tudo isso demonstra que Thompson e Vonnegut compartilham de uma afinidade. (apud Carroll, 1993, p.302).
Ao contrário de outros formatos mais rígidos, o Gonzo Journalism encontra dificuldades em ser definido com precisão por ser personalizado de acordo com as demandas e expectativas do escritor. Esta afirmação não se relaciona apenas com o fato de Thompson ser o principal autor do gênero - e, como tal, ditador da maioria dos seus conceitos e princípios -, mas também com a anarquia e libertinagem que o gênero permite, uma vez que não existem regras. Gonzo é uma mistura de fato e ficção, escrito em um estilo instintivo e cativante. Usando a definição do jornalista norte-americano Mitch Moxley no artigo Gonzo! Confessions of a Hunter S. Thompson Junkie, basicamente, o autor escreve "o que ele quer e o que ele vê". (2001)
Algumas definições para Gonzo aparecem em dicionários modernos e quase todas relacionam-se com o caráter estranho do gênero. Para o Cambridge International Dictionary of English, gonzo é uma gíria usada nos Estados Unidos e Austrália para definir um estilo de escrever "estranho e incomum". O Encarta Word English Dictionary também considera gonzo uma gíria, definida da seguinte forma: "1. Idiossincraticamente subjetivo; caracterizado por interpretação subjetiva e exagero; Gonzo jornalism é diferente do trabalho do observador imparcial. 2; não-convencional, não-usual ou estranho". O Oxford English Dictionary define gonzo como "um estilo de jornalismo subjetivo engajado, caracterizado pela distorção factual e retórica exagerada". Já o Merriam-Webster Dictionary diz que gonzo é "idiossincraticamente subjetivo, porém engajado" e também o considera sinônimo de "bizarro".
É importante ressaltar que a palavra engajado aqui vem da tradução de dois temos diferentes. Na definição do Oxford English Dictionary, ela origina-se da palavra committed, cuja tradução mais aproximada seria algo como comprometido. No Merriam-Webster Dictionary a palavra é uma tradução do termo engagé, que serve para designar uma pessoa interessada em política (especialmente escritores, músicos e artistas em geral).
Sobre gonzo, outros autores como o jornalista norte-americano Peter Genovese afirmam que "é suficiente dizer que é um estilo literário que tem poucos praticantes, ainda menos qualidades de redenção social e nenhuma regra". Já Mitch Moxley diz que:
Gonzo é a verdade através dos olhos do autor, que escreveu a história como um personagem. De fato, a busca do autor pela verdade torna-se a história. É altamente subjetivo, onde opiniões ilusórias tem valor; é agressivo e as pessoas retratadas freqüentemente são esquartejadas no papel. (2001)

2. JORNALISMO GONZO NO BRASIL

O tempo irreversível é o tempo daquele que reina; as dinastias são a primeira forma de medi-lo. A escrita é sua arma. Na escrita, a linguagem atinge sua plena realidade independente de mediação entre as consciências. Mas essa independência geral do poder separado, como mediação que constitui a sociedade. Com a escrita aparece uma consicência que já não é sustentada e transmitida na relação imediata dos vivos: uma memória impessoal, que é a administração da sociedade.
Guy Débord - A Sociedade do Espetáculo (1968)


2.1. Precursores do jornalismo gonzo no Brasil

2.1.1. Memórias de um repórter X

Figura lendária do jornalismo português, Reinaldo Ferreira teve, nas primeiras décadas do século passado, lugar de grande evidência. Afirmou-se, fundamentalmente, como repórter. Atraído para o macabro, o fantástico, os labirintos das grandes questões sociais, deu um cunho peculiar à reportagem. Utilizava todas as manhas e expedientes para arrancar a face oculta do cotidiano e revelá-la em primeira mão e de um modo original e audacioso.

Era capaz de de se intrometer nos bastidores das conspirações e nas trincheiras de combate; violar o sigilo dos tribunais, das polícias e antecâmeras militares; penetrar na escumalha das prisões, nos gabinetes políticos nos salões das embaixadas e na atmosfera sórdida dos bairros exceêntricos. Uma das suas proezas foi disfarçar-se de mendigo para escrever um inquérito exaustivo sobre a verdadeira e falsa pobreza.
Nasceu em Lisbôa em 11897 e faleceu em 1935. Tinha 37 anos e 22 de profissão. Envolveu-se por completo na droga de que nunca conseguiu se libertar e que o tornou um farrapo humano. Assim como Hunter Thompson era conhecido sob a alcunha de ''Raoul Duke'', Reinaldo Ferreira assumiu o apelido ''Repórter X'' depois uma confusão para se entender sua caligrafia, o que obrigou um tipógrafo a lhe assinar como os textos como ''Repórter X''.
Não se pode atribuir a Reinaldo Ferreira qualquer evidência na história da literatura. Fora os livros e revistas policiais publicados tanto em Portugal como no Brasil, a sua ficção oscila entre a digressão romântica e certo tipo de intenção social. Isso facilitou seu alcance às preocupações e ao gosto de um público determinado.
Uma questão fundamental na vida e obra de Reinaldo Ferreira é esclarecer o que se deve situar antes e depois do consumo permanente da droga. Ele é internado, em finais de 1932, para uma cura de desintoxicação. Meses depois decide confessar a sua morfinomania nas páginas do "Repórter X", dando também à estampa o primeiro volume - e o único que publicou em vida - das "Memórias de um ex-morfinómano", obra que tem a força de um documento humano patético.

Mesmo antes do recurso sistemático à toxico-dependência, para se evadir deste drama íntimo e excitar a capacidade de trabalho e o poder de efabulação, Reinaldo Ferreira teve sempre uma tendência para inveterada para transfigurar a objetividade das situações cotidianas.

Pouco resta, hoje, desta obra que transgride os códigos deontológicos, que surpreendem em flagrante os conflitos e mistérios da alma humana. As Memórias de Um Ex-Morfinómano são o espelho de uma vida de extremos:
Os episódios melhor gravados no doloroso friso do meu morfinismo relacionam-se com a viagem que realizei, em outubro de 1930, a Londres (...) Azougava-me o entusiasmo profissional pela viagem, mas, com sempre sucede nos toxicómanos que se deslocam, acorvadava-me, num pavor, a ameaça de que pudesse sofrer a falta da droga em terra estranha (...) Em Dover, entro na alfândega. Os aduaneiros ingleses procedem... à inglesa! Antes de vasculharem as bagagens – ou de apalparem os viajantes – apresentam-lhes um quadro onde, em letras garrafais, estão indicados todos os artigos indicados pela lei. Depois perguntam:
– Traz consigo algum desses artigos.
Só depois – revistam as malas e os fatos! Creio que este sistema objectivo agrava a culpa ao desobediente, por tentativa de logro – quando surprrendem o contrabando... Que se visione o que seria a minha aterrorizada angústia ao ler a palavra morfina – encabeçando a lista que o aduaneiro me apresentou fitando-me nos olhos, perscrutando-os, como se suspeitasse de que mentia...

Além das suas reportagens, entre as quais se contam fascinantes visões futuristas do Porto e Lisbôa do ano 2000, Reinaldo Ferreira deixou ainda uma quantidade assombrosa de novelas, sobretudo policiais e de espionagem, além de várias peças de teatro.
2.1.2. O idealismo técnico de Euclides da Cunha

"Canudos caiu, quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados", noticiou o jovem jornalista.
7 de agosto de 1897. O engenheiro e repórter Euclides da Cunha chega a Queimadas, no interior baiano, para onde fora enviado pela direção do jornal O Estado de S. Paulo. Sua missão: relatar aos leitores do jornal os horrores da chamada Guerra de Canudos, um dos episódios mais dramáticos da história brasileira.
Desde julho daquele ano, uma campanha do governo central tentava sufocar o movimento deflagrado em Canudos. No vilarejo do sertão baiano, encravado às margens do rio Vaza-Barris, o messiânico Antônio Conselheiro exortava o povo a resistir à República e, com o auxílio dos povoados vizinhos, enfrentava as tropas do exército brasileiro à base de emboscadas e pregações religiosas. O resultado foi uma tragédia sem precedentes.
Durante dois meses, até a batalha final, o jovem Euclides escreveu e enviou ao jornal 25 reportagens. Na medida em que eram publicadas, tais reportagens ajudavam a consolidar um relato estarrecedor de um privilegiado espectador em pleno campo de batalha. De volta a São Paulo, com suas convicções republicanas seriamente abaladas, Euclides da Cunha foi convencido e estimulado pela direção do Estado de S. Paulo a escrever o livro que viria a se tornar um dos maiores clássicos da literatura nacional. Os Sertões, foi lançado em dezembro de 1902, em uma edição com apenas 2 mil exemplares. Foi o bastante para garantir à obra e ao seu autor um reconhecimento que ultrapassou as fronteiras do País. Um livro grosso, com 637 páginas de textos com vocabulário incomum, temas científicos e grande carga dramática, ilustrado com mapas, desenhos e fotografias, onde Euclides da Cunha narrava a batalha ocorrida em Canudos, na Bahia. A obra transformou-se rapidamente num best seller, tendo metade de sua edição vendida em apenas oito dias. O total de sua tiragem se esgotou em dois meses.
O professor Roberto Ventura, em sua biografia de Euclides da Cunha, define: "Em Euclides, tivemos um militar e um republicano desiludidos e um escritor notável." Ele acredita, porém que Os Sertões foi elevado à categoria clássico mais por suas qualidades sociológicas do que literárias. "O que fez com que Os Sertões prevalecesse sobre outros relatos a ele contemporâneos, como o do jornalista Manuel Benício, enviado a Canudos pelo Jornal do Comércio, é o fato de ele ter conseguido integrar a guerra a uma interpretação histórico-cultural extremanente complexa no Brasil", escreve. "Canudos se tornou, com a interpretação de Euclides, o símbolo de um processo de modernização que se dá através de violentos choques culturais e políticos. Sem isso, ela seria mais uma comunidade ou um movimento messiânico massacrado e dizimado por tropas do governo", analisa o biógrafo.
Aguardando ainda, contrafeito, a proxima partida para o sertão, percorro - desconhecido e só - como um grego antigo nas ruas de Bysancio as velhas ruas desta grande capital, num indagar persistente ácerca de suas bellas tradições e observando a sua feição interessante de cidade velha chegando, intacta quasi, do passado a estes dias agitados. E lamento que o objectivo capital e exclusivo desta viagem me impeça estudal-la melhor e transmitir as impressões recebidas. Porque é realmente inevitavel esta intercurrencia de sensações extranhas e diversas, invadindo de modo irresistivel o assumpto e programma preestabelecidos.
Numa hora assaltam-me, às vezes, as mais desencontradas impressões. Visitando, ha pouco, o mosteiro de S. Bento, por exemplo, onde se accumulam agóra os feridos que chegam, depois de atravessar por entre extensos renques de leitos contristadores, desci ao pavimento inferior.
Atravessei as naves extensas, cautelosamente, a passos calculados, olhos fixos no chão, procurando não pisar as lagens tumulares sobre as quaes indifferentes pisam todos os devotos e onde se leem, ainda, semi-apagadas pelo attrito persistente das botas, nomes entre os mais velhos da nossa historia. - E despeando-me de todo do objectivo que me levara até alli -, acurvado sobre as lousas que apparecem como palimpsestos de marmore mal descobertos memmorando remotissimos dias, permaneci largo tempo, absorto.


Na época do lançamento de Os Sertões, o mercado editorial no Brasil era incipiente e dominado por editores franceses e portugueses. O campo literário se concentrava na Rua do Ouvidor, no Rio de Janeiro, então capital federal. No centro comercial, duas livrarias se destacavam: a Garnier e a Laemmert, que dividiam o mercado de livros, dando prioridade à publicação de literatura.
Em um ambiente cultural fechado, os novatos tinham dificuldades em publicar seus livros. Deviam ganhar a simpatia de Machado de Assis, que já naquela época tinha grande prestígio no meio literário, ou dos poucos editores da capital federal. Outra saída era publicar suas histórias em capítulos nos jornais do Rio ou nas capitais mais importantes, como São Paulo. Fora dessas opções, ou até mesmo para atingi-las, deveriam freqüentar livrarias, cafés, salões e confeitarias, para divulgar seus trabalhos, recitando seus poemas, declamando suas crônicas ou lendo os capítulos dos livros que escreviam.
Euclides da Cunha não era do tipo que freqüentava as rodas literárias da Rua do Ouvidor, nem tinha proximidade com nenhum escritor consagrado. Militar e engenheiro, nunca havia escrito um livro, tinha apenas artigos, poemas e ensaios publicados no jornal O Estado de S. Paulo. Estimulado pelo diretor Julio Mesquita a transformar em livro a cobertura de Canudos, recorreu ao amigo Garcia Redondo, que preparou uma carta apresentando-o a Lúcio de Mendonça, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, que, por sua vez, entrou em contato com os editores.
A Laemmert concordou em publicar Os Sertões, com a condição de que ele contribuísse com os custos da edição. Euclides comprometeu-se em desembolsar um conto e quinhentos mil réis (o que correspondia a dois meses de seu salário) para as despesas de impressão, sendo metade paga no ato da assinatura do contrato e o resto até o prazo em que deveria ficar pronta a obra, previsto no início para 30 de abril de 1902. A contribuição financeira do autor valia apenas para a primeira edição.
Temendo uma represália dos militares, pois seu livro contava fatos antes omitidos sobre o incidente em Canudos, e preocupado com uma crítica desfavorável, Euclides da Cunha decidiu fazer uma viagem a cavalo pelo interior de São Paulo alguns dias antes do lançamento. Na volta, encontrou duas cartas de seu editor. Na primeira, ele se dizia arrependido pela publicação e lamentava o possível fracasso do livro. Receoso, o escritor abriu a segunda carta. O editor tinha mudado de idéia. Contava que Os Sertões havia sido publicado e já era um sucesso.
José Veríssimo, em ensaio publicado no Correio da Manhã, no dia seguinte à chegada de Os Sertões às livrarias, considerou que:
O livro do Sr. Euclides da Cunha, ao mesmo tempo o livro de um homem de ciência, um geógrafo, um geólogo, um etnógrafo; de um homem de pensamento, um filósofo, um sociólogo, um historiador; e de um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe ver e descrever, que vibra e sente tanto aos aspectos da natureza como ao contato do homem e estremece todo, tocado até ao fundo da alma, comovido até às lágrimas, em face da dor humana, venha ela das condições fatais do mundo físico, as secas que assolam os sertões do Norte brasileiro, venha da estupidez ou da maldade dos homens, como a Campanha de Canudos.
Em seu texto pequeno, mas contundente, fez apenas uma ressalva: considerou exagerado o emprego de termos técnicos.
Em março de 1903, o Jornal do Commercio trazia a crítica de Araripe Júnior que, além de mais longa e elaborada, demonstrava maior entusiasmo. Para ele, pela primeira vez aparecia um trabalho interessante partindo do tema de Canudos.
Pareceu-me chegar à conclusão de que Os Sertões são um livro admirável, que encontrará muito poucos, escritos no Brasil, que o emparelhem - único no seu gênero, se atender-se a que reúne a uma forma artística superior e original, uma elevação histórico-filosófica impressionante e um talento épico-dramático, um gênio trágico como muito dificilmente se nos deparará em outro psicologista nacional.
Sílvio Romero, outro crítico literário importante do período, destacou a repercussão que teve o surgimento de tal obra em 1902: "de Euclides da Cunha se pode dizer que se deitou obscuro e acordou célebre com a publicação de Os Sertões. Merecia-o." Romero referia-se ao fato do autor, um estreante na ocasião, ser repentinamente considerado um dos escritores mais consagrados da capital federal.
Euclides da Cunha acompanhou de perto a publicação da primeira edição do livro. Em maio de 1902, recebeu da Livraria Laemmert as primeiras páginas impressas de Os Sertões. Em outubro, na editora, Euclides encontrou 80 erros em seu livro. Corrigiu cada exemplar, um a um, manualmente com canivete e tinta nanquim.
A segunda edição foi lançada em 9 de junho de 1903, com uma tiragem de dois mil exemplares. Em 1905, surgiu a terceira edição, também com dois mil exemplares. As três edições foram vendidas em aproximadamente cinco anos, fazendo de Os Sertões um dos maiores sucessos de venda no restrito mercado livreiro do início do século XX no Brasil.
Para a terceira edição, Euclides da Cunha cedeu a "propriedade plena e inteira" de Os Sertões à Laemmert & Cia por um conto e oitocentos mil réis e garantiu que, de cada edição que se fizesse, cinqüenta volumes lhe seriam reservados. Embora este fato cause estranheza, uma vez que o livro continuava a ser um sucesso de vendas, o escritor passava por dificuldades financeiras, reveladas em carta a seu pai. A Laemmert não chegou a fazer uma quarta edição, pois um incêndio destruiu suas instalações. A quarta edição do livro saiu em 1911, pela Editora Francisco Alves.
O convite feito por Julio Mesquita ao poeta e engenheiro militar fluminense Euclides da Cunha para acompanhar o ministro da Guerra a Canudos, na qualidade de repórter, trouxe ao Brasil uma nova informação: a informação de si mesmo.
O País estava com os olhos embaçados pelos estremecimentos que abalavam o fim do século e não conseguia olhar-se com isenção e clareza. Euclides fez isso de modo dilatado e encantado. De tal forma que, hoje, sua obra ainda ilumina a compreensão da aventura humana no Brasil, desvendando, nas camadas profundas da nossa estratificação étnica, o encontro de brancos, pretos, índios, cafusos, mamelucos e mestiços de toda ordem, com uma terra variável no solo, no clima, nas latitudes e longitudes, na flora e na fauna, no deslumbramento de uma beleza matizada por contrastes e confrontos.
O fim do século encontrou o Brasil no início da República: uma pequena nação envolta em dissidências políticas, militares e sociais, engolfada pela bancarrota, atacada pela febre amarela, cobiçada pelo expansionismo colonialista europeu, enfrentando uma guerra civil no Sul, gritos separatistas e convulsões que explodiam em múltiplos pontos de seu enorme território.
Uma dessas convulsões, a insurreição de Canudos, ocorreu logo depois de apagadas as brasas da Revolução Federalista, conjugada à Revolta da Armada - quando, entre outros episódios, um caudilho desvairado, Gumercindo Saraiva, saiu da fronteira uruguaia, atravessou Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, chegando até Jaguariaíva, para atacar São Paulo "sem deixar prisioneiros", degolando os que fazia pelo caminho e os abandonando, sem sepultura, com o signo gaúcho da "corbata colorada": boca fechada e língua pendurada no peito, saindo pelo corte da garganta.
A primeira tropa enviada a Canudos, com 500 soldados, sofreu inesperado revés e retirou-se inteiramente desarticulada. Outra coluna militar - infantaria, cavalaria e artilharia -, com mil homens sob o comando do coronel Moreira César, foi destroçada.
Canudos transformara-se em questão de honra. E nova tropa foi remetida para o sertão: 6 mil homens sob o comando do general Artur Oscar, florianista, que se destacara nas campanhas do Sul. Mas a sorte continuava adversa. Então, Prudente de Morais nomeou ministro da Guerra o marechal Carlos Machado Bittencourt, um paulista, que logo embarcou para a Bahia.
Euclides da Cunha foi junto. A luta se metodizou e tomou feição técnica. Os jagunços defenderam-se como loucos. Na tarde de 5 de outubro de 1897 Canudos caiu, "quando caíram seus últimos defensores, que todos morreram", anotou Euclides. "Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados." Festejadas, as tropas retornavam do triste arraial baiano. Em 5 de novembro, o presidente foi assistir ao desembarque de um contingente que regressava. Saindo da multidão, um nordestino rompeu o círculo das autoridades e alvejou Prudente de Morais com uma garrucha, que negou fogo. Mãos e braços surgiram prestes para subjugá-lo. Caído, o anspeçada Marcelino Bispo conseguiu levantar-se e arremeter contra o presidente com um punhal. Machado Bittencourt cresceu sobre ele e recebeu no peito os golpes destinados ao chefe de Estado. Três vezes apunhalado, morreu instantes depois.
A festa cívica transfigurou-se em consternação nacional. A morte do ministro da Guerra, pelo brio da farda, resvalou para a corporação a que servia e traumatizou a República. Na cerimônia fúnebre do dia seguinte, Prudente de Morais foi vibrantemente ovacionado. Daí por diante, foi firmando-se o respeito à sua autoridade.
Assim, ele pôde tirar do ostracismo um "reacionário monarquista", o barão do Rio Branco - para patrocinar questões de limites que o Brasil tinha a resolver, reatar elos diplomáticos rompidos e, principalmente, tornar o País confiável perante a comunidade financeira internacional.

Nesse panorama, Euclides da Cunha primou pela independência do olhar. Jamais escreveu uma página de ficção. Formado à luz positiva da razão, da sociologia nascente, da análise matemática, foi capaz de entrelaçar ciências puras e humanismo, num enfoque desprendido do oficialismo imperante e irrigado por extraordinário talento literário.

O escritor morreu com quatro tiros no peito, em 15 de agosto de 1909. Tinha 43 anos. A publicação em livro das reportagens feitas para o Estado deu-se em 1939, por iniciativa de Gilberto Freire, na coleção Documentos Brasileiros, com o título Canudos - Diário de uma Expedição.

Em carta a José Veríssimo, Euclides confessa: "Para mim, seguir para Mato Grosso, ou para o Acre, ou para o Alto Juruá, ou para as ribas extremas do Maú, é um meio admirável de ampliar a vida e de torná-la útil, talvez brilhantíssima." Com toda a certeza, não conseguiu compreendê-lo o historiador e ex-governador baiano Luís Viana Filho, quando escreveu: "Euclides tinha ambição modesta, aspirava apenas a estudar o interior do País."