Wednesday, October 05, 2005

2.2.1. Revista Realidade

Trinta e oito anos atrás vivia-se em outro mundo, e o Brasil era um país muito diferente. O homem não havia pisado na Lua. A seleção de futebol não era tricampeã. Os transplantes de coração não existiam, os brasileiros não podiam se divorciar, a Guerra do Vietnã continuava e a Jovem Guarda era a grande revolução da juventude. Sobre todos os pequenos e grandes fatos, pairava no Brasil a sombra de dois anos do governo militar, um esboço ainda leve do regime que sufocou o país por outros 19 anos. Nesse cenário, que prenunciava conquistas inimagináveis e decepções profundas, nasceu a revista Realidade.

Em abril de 1966, a primeira edição da revista, com um Pelé real e sorridente na capa, já indicava ser aquela uma publicação que se tranformaria em documento de época. A carta de Victor Civita apresentando o primeiro número era esclarecedora: a revista surgiu porque o Brasil estava crescendo em todos as direções, era um país que se preparava para olhar de frente os seus muitos problemas a fim de analisá-los e procurar solucioná-los.

Fatos rendem notícias, mas nem sempre ficam na história. Revistas, também não. Realidade entrou para a história do jornalismo brasileiro porque soube retratar a partir de uma linguagem apropriada a dinâmica do país que mudava. Com suas grandes reportagens, foi a precursora de um jornalismo investigativo, inventivo e exaustivo que lhe rendeu muitos seguidores até os dias de hoje e nos quais este trabalho fundamenta sua análise.
Em um aépoca de censura e hipocrisia, a revista não teve medo de expor temas considerados tabus nos anos 60, fossem a guerra entre estudantes e a polícia, o casamento de padres ou a situação da mulher brasileira. Em janeiro de 1967, uma edição inteira criada seis meses antes, que teve a audácia de discutir sexo, casamento e aborto do ponto de vista feminino, foi apreendida e só liberada 20 meses depois.
O resultado deste trabalho logo se fez sentir: em seis meses, a revista alcançou a maior tiragem do país até então, com 475 mil exemplares e mais de um milhão e meio de leitores por edição. Em seus dez anos de existência, ganhou prêmios, provocou debates, contribuiu para revelar e discutir os grandes problemas que se apresentavam no país – muitos ainda hoje sem solução.
Em março de 1976, dez anos depois de lançada, realidade desapareceu, varrida das bancas por jornais mais ágeis, um novo conceito de revistas semanais e pela aceleração dos acontecimentos e sua cobertura na televisão. Mas a revista permanece como marco, referência para a história recente do país e do jornalismo.
Entre toda a série de reportagens pertinentes ao tema deste texto, a melhor delas é a matéria escrita pelo repórter José Hamilton Ribeiro.

Enviado especial de Realidade à Guerra do Vietnã, ele se transformou em mais uma vítima da guerra: pisou em uma mina terrestre e acabou perdendo parte da perna esquerda. O trabalho de reportagem de Hamilton Ribeiro no conflito começou em Saigon, capital do Vietnã do Sul, no dia 6 de março de 1968. – Detalhar com a matéria.

No dia 20 (último de sua permanência no país), ele participou de uma patrulha feita pela Companhia Delta, da Primeira Divisão de Cavalaria do Exército Americano. A trilha por onde caminhava era famosa pelas trilhas terrestres e tinha o nome de "Estrada sem Alegria".

Ele estava ao lado do fotógrafo Keisaburo Shimamoto, que registrou as imagens publicadas por Realidade, e do soldado americano Henry (destacado para acompanha-lo), quando todos escutaram uma explosão, 20 metros à frente. Correram para ver o que acontecia. Ribeiro descreveu:
Observando a movimentação de todos em direção aos feridos, por um momento me passou pela cabeça a certeza de que o terreno entre a minha posição e a dos feridos, já tão fartamente pisado, não podia ter mais mina nenhuma. Com a máquina em posição de ataque, corri para os feridos, Henry ao meu lado. A cinco metros do local, vejo uma bota com um pé dentro, minando sangue. Penso sem querer pensar:
– Isso é que é pé frio!

Ouço uma explosão fantástica. É um tuimmm interminável que me atravessa os ouvidos de um para o outro lado, dá-me uma sensação de grandiosidade. Sinto-me no ar, voando (...) Um segundo após me no chão, sentado. A cortina de fumaça se esgarçou e vi aproximar-se de mim Shimamoto, o fotógrafo japonês. Pergunto-lhe:
– Shima, você está bem?
Sem responder, ele continuou caminhando para mim. Foi aí que senti a perna esquerda. Os músculos repuxaram para a coxa com tal intesidade que eu não me equilibrava sentado. Para não cair, rodopiava sobre mim mesmo, em círculos e aos saltos. Instintivamente, levei as duas mãos para ‘acalmar’ a minha perna esquerda, e foi então que a vi em pedaços.
A reportagem prosseguiu narrando os instantes de dor e os 15 dias de recuperação nos hospitais vietnamitas. José Hamilton Ribeiro deixou o Vietnã em 4 de abril de 1968, depois de viver os "dias mais dolorosos, tristes e infelizes que jamais teria imaginado passar em minha vida".
Em outra reportagem, de junho de 1967, o repórter Milton Coelho e o fotógrafo Geraldo Mori observaram a haitianos. Em seus rostos, viram apenas a desesperança, a resignação e o medo impostos pela ditadura de François Duvalier.
O ditador construiu um império de terror e controla a vida do país nos mínimos detalhes. É ele, pessoalmente, quem autoriza os vistos de saída para quem quer viajar ao exterior, e é ele também quem conduz os interrogatórios dos prisioneiros políticos mais importantes.
Os dois jornalistas brasileiros sentiram na pele a pressão do governo haitiano. Para entrar no país, fingiram ser da revista Quatro Rodas e alegaram fazer uma viagem turística. Mesmo assim, foram seguidos nas ruas pelos homens da VSN (Volontiers de la Securité Nationale), grupo criado quando o exército deixou de merecer a confiança de Duvalier.

Apelidados pela população de "tonton macoute" (algo como bicho-papão), esses homens eram um misto de milícia civil, partido político e polícia secreta, uma versão subdesenvolvida das SS nazistas e formavam uma rede de 7 mil pessoas, que extorquiam a população, delatavam e torturavam quem conspirasse contra o governo.
Outras duas reportagens relatam de maneira excepcional fatos que ainda fazem parte do repertório da sociedade brasileira, mesmo depois de trinta anos. Em agosto de 1967, o repórter Roberto Freire e o fotógrafo Geraldo Mori seguiram os passos de meninos de rua na cidade do Recife (PE). Eram crianças entre sete e 15 anos que tentavam sobreviver roubando, se prostituindo, traficando drogas e que passavam as noites debaixo de pontes e estações ferroviárias. Na matéria, os repórteres conheceram Maria e Maurício, que há oito anos tentavam salvar menores abandonados. Para contar a história do casal (de nomes fictícios), a reportagem recuou até janeiro de 1959, quando os dois chegaram a Recife.

Como se escrevesse um diário, Freire narrou alguns episódios marcantes do primeiro ano de trabalho dos dois. O casal queria conhecer a realidade das crianças na capital pernambucana e fundar uma sede da OAF (Organização de Auxílio Fraterno), entidade que ajudava prostitutas e mendigos. A maneira de o casal se aproximar dos meninos foi viver como eles. O repórter explicou: "Maria e Maurício passam os dias e parte da noite caminhando pela cidade, vendendo café e doces. O que ganham dá apenas para pequenas refeições. Dormem onde dormem os meninos: nas calçadas debaixo das pontes, nas escadarias de igrejas ou nas estações". Aos poucos, conquistaram a confiança das crianças.
Entre cada capítulo da história do casal em 1959, Roberto Freire intercalou notícias dos jornais de 1967, como esta do Diário de Pernambuco: "Desde o princípio do ano, a Fundação do Bem-Estar do menor fechou a porta dos abrigos do Estado aos meninos abandonados das ruas do Recife, alegando que vai promover melhoramentos, alargar instalações, ampliar os tais abrigos. Mas estamos em junho e a situação continua a mesma, os abrigos não recebem ninguém".

Com isso, o repórter mostrou que pouca coisa havia mudado naqueles oito anos e as crianças continuam desamparadas. Por este trabalho, a equipe de Realidade ganhou o prêmio Esso de Reportagem de 1967.
Outubro de 1967. No centro de São Paulo, um casal chama a atenção das pessoas. Ele é um homem negro, ela, uma branca. Estão abraçados. As atitudes de quem observa os dois são sempre iguais. Muitos olham, param, tornam a andar, apontam, cochicham e riem.
Durante cerca de 20 dias, dois jornalistas de Realidade simularam a mesma situação formando casais diferentes. Narciso Kalili, branco, era acompanhado de uma moça negra. Odacir de Mattos, negro, seguia uma branca. Eles visitaram seis capitais do país (Belém, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre) e fizeram esse e outros testes para demonstrar a existência do preconceito racial. As experiências foram fotografadas por Luigi Mamprin e Geraldo Mori.
Os dois repórteres vivenciaram sempre as mesmas situações, mas para Odacir, ao contrário de Narciso, muitas vezes não havia vagas nos hotéis e escolas, os restaurantes e boates exigiam reservas ou cobravam mais caro do que o normal.

A dura verdade que os jornalistas encontraram nas cidades brasileiras já era esperada por eles, mas precisava ser denunciada, como afirmou Narciso Kalili:
Eu sabia que os brancos, por seu lado, sentem-se envergonhados com o preconceito. Não querem mostrar que através de atividades encobertas e disfarçadas eles privam milhões de pessoas de viver como gente. E mais: não querem tocar no problema com medo de que ele se agrave e se transforme em luta aberta. Esses negros e brancos se esquecem, porém, que os problemas não discutidos não se resolvem.

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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