Wednesday, October 05, 2005

2.4.3. Carta Capital e o Velho Novo Jornalismo de Gianni Carta

Outro bom exemplo desta técnica jornalística em veículos consagrados na imprensa brasileira é o livro Velho novo jornalismo, de Gianni Carta, reunião de 26 reportagens do atual correspondente da revista Carta Capital em Londres. Resultado do trabalho de quatorze anos de correspondência para diferentes veículos entre Europa e Estados Unidos, a obra torna-se um elogio ao estilo jornalístico chamado de novo jornalismo. Carta produziu os textos do livro para as revistas GQ, da Espanha, Maxim, da França e IstoÉ, brasileira. Foi correspondente, ainda, do Diário do Grande ABC, jornal paulista e do The Guardian, periódico inglês.
Além das matérias, o livro traz ainda uma entrevista realizada em 1992 com o escritor baiano Jorge Amado (morto em 2001), realizada no apartamento do escritor em Paris. Várias outras reportagens do livro foram publicadas pela revista Carta Capital, principalmente no tempo em que sua periodicidade era mensal.
A narração elaborada nos textos é rica em detalhes sobre as histórias relatadas. Impressões de temperatura, luzes, aromas e semblantes conferem às matérias a capacidade de informar com uma profundidade, sem que elas percam a clareza jornalística. O estilo de Gianni Carta dá ao leitor informações de um modo que torna mais agradável a leitura, mais compreensível o contexto dos fatos. Estes fatores levam a uma leitura mais interessada, e a uma retenção dos fatos como verdadeira história pelo leitor.

Segundo discorre Gianni em seu livro, "escrever na primeira pessoa não é (ou não deveria ser) um ato de vaidade: é, muitas vezes, a única maneira de escrever para escapar das garras do jornalismo que não toma partido e, talvez ainda mais importante, o melhor atalho para se soltar". A bagagem necessária antes de escrever cada artigo pode dependendo do caso, ser importante para a grande reportagem, ou perfil. Já na crônica espontânea, você não precisa se munir de informações antes de investigar. Um exemplo dessa teoria no livro está no capítulo "Artistas e Marqueteiros". O jornalista vai a Panzano um vilarejo na Toscana, Itália, para entrevistar o rei da bisteca, dario Cecchini, sabendo muito pouco sobre ele.

Entretanto, antes de escrever a maioria dos artigos do livro, leu artigos e livros sobre os temas em questão e consultou diversas fontes. Para o jornalista, seu estilo evoluiu rapidamente depois que foi morar em Londres, Inglaterra. Ele considera, por exemplo, o novo jornalismo britânico superior ao americano em três aspectos:
(...) primeiro, a visão que o jornalista britânico tem do mundo é mais ampla; segundo, o inglês escreve levando em conta sua tradição literária – com senso de humor. Aqui, ser witty (espirituoso) é tão fundamental quanto ler Baudelaire na França; terceiro, o jornalista britânico tem um compromisso moral com a informação. Por tabela, a investigação aqui é levada a sério. E apurada ad nauseam por uma simples razão: o leitor vem em primeiro lugar.
Como correspondente especial da GQ espanhola, Gianni produziu durante sete anos reportagens nas quais era apresentado aos leitores como ''nosso intrépido correspondente'' – o que dá uma idéia das situações em que se metia. Para fazer a matéria ''Do pó ao pó'', foi parar em Huila, na Colômbia:
(...) O som ensurdecedor dos motores força o major Clavijo a gritar suas últimas instruções:'Não sabemos se vamos regressar. Caso nos atinjam e pousemos em território ocupado pelos guerrilheiros, vocês terão que seguir minhas ordens..' Carlos Linares, o fotógrafo incumbido de fazer as imagens da fumigação de papoula, (...) jocosamente abre os braços para me dar um abraço de consolo. Em poucos minutos, estaríamos sob a mira das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
(...) Eu acordava na calada da noite em meu hotel com o som da geladeira, convencido de que as metralhadoras matraqueavam na rua. (...) Começamos a descer o El Cartucho. Linares e eu estamos cercados por cinco policiais, todos armados com metralhadoras. O cenário é assustador. Vejo gente prostrada nas calçadas, envoltas em mantas imundas; (...) Em seus olhos detecto uma mistura de raiva e delírio. (...) Percebo um grupo, a uns 50 metros de distância, nos apontando e falando alto. Um deles abaixa-se, pega uma pedra...Não vi mais nada. Corremos todos uns três quarteirões e só paramos quando nos encontramos fora do El Cartucho. Ainda Ofegante, perguntei a um dos policiais: – Você não tem medo? "Quem não tem?", respondeu ele."
Um fato curioso é que Carta assume outras formas de inspiração além das conhecidas influências americanas. Cita diários e colunistas italianos e ingleses que ainda acreditam na grande reportagem.
Eles escrevem como nos velhos tempos. Recheiam páginas com imagens, impressões, análises. Todos nós queremos saber como o enviado especial enxerga quadros que, para nós, de fora, parecem bastante abstratos. Gostaríamos, por exemplo, de entender como vive uma família nos subúrbios da moscou pós-União Soviética. Nesses dias de globalização, em que a CNN, assim como o diário USA Today, contam tudo em três minutos ou linhas, a grande reportagem européia é um grande alívio.
Na revista de seu pai, Mino Carta, destaca-se uma sessão dedicada a textos escritos no estilo estudado. Em toda edição, é publicada uma matéria nas duas primeiras páginas da revista que traça minúcias que não costumam ser utilizadas nos manuais de redação. O redator-chefe, Bob Fernandes, registrou a cobertura de diversos jornalistas esportivos durante a partida entre Brasil e Inglaterra, válida pelas quartas de final da Copa do Mundo da Coréia do Sul e Japão, em 2002. O repórter registra as opiniões e reações dos comentaristas - sem suprimir a sua - em um estúdio improvisado no hotel Alphaville, em São Paulo:
Fábio Kadow, desta Carta Capital, sonha:
- Três a dois para o Brasil, sofrido.
Kajuru revela:
- O Juca Kfouri apostou comigo, uma caixa de vinho, na Inglaterra.
Este que vos escreve também cruzou algum na Inglaterra, velha quizila de torcedores fanáticos. Com uma vantagem adicional, caso venha a derrota, pelo menos se leva um troco para afogar as mágoas.
(...)
No estúdio não se ouve a Galvão Bueno. Imagem na tela e a voz de Kleuber Santos. Sofre-se muito menos, é possível afirmar. Mesmo com o delay. (...) Sufoco. Mas aqui no estúdio, euforia. Eu soube antes. O delay me contou. Seis da manhã. O Brasil vence. a Inglaterra e está na semifinal.
P.S: Cento e cinqüenta pilas a pagas por duas apostas. Nunca uma dívida foi paga com tanta alegria.

1 Comments:

Blogger Gabriel Mattos said...

Parabenss....muito válido este debate que acontece pouco nas faculdades de jornalismo. TIve a oportunidade de assistir no Festival do RIo ano passado um documentário do Alex Gibney sobre o Thompson, indico a vc, muito bom.
Gostaria se possível, de algumas indicação de livros sobre o assunto, estou terminado minha faculdade e penso em escrever sobre isso na minha monografia.

abss...

1:53 PM  

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