Wednesday, October 05, 2005

2.4.2. O caso da Folha de S. Paulo e seu publisher, Otávio Frias Filho
A Folha de S. Paulo tem um novo e temerário manual de redação. Seu diretor Otavio Frias Filho correu o risco de pôr em livro sete reportagens exemplares. Cada uma delas, sozinha em seu capítulo, tem qualidades de sobra para animar o domingo de qualquer jornal do país. A Folha inclusive. Mas, juntas nas 288 páginas de ‘Queda Livre’, elas sacodem quase todas as normas que homogeneizaram, muitas vezes para pior, a imprensa brasileira. A Folha inclusive. (Marcos Sá Corrêa, "Um manual para todas as redações", copyright No mínimo (http://nominimo.ibest.com.br), 14/12/03
Um homem entra na sala e observa casais sentados, trocando carícias. Ao fundo, duas mulheres nuas ao redor de um sujeito e adiante três outras ajoelhadas satisfazem oralmente três homens, enquanto outros olham em roda, como num acidente de trânsito. O livro registra um paradoxo. Por falta de espaço, dinheiro, tempo e também vontade, não haveria mais lugar para o gênero na imprensa brasileira, seja nas revistas, seja nos jornais, como o dirigido pelo autor. Quer dizer, talvez os textos do Otavio escritor não encontrassem lugar no jornal do Otavio diretor de Redação.
O que parece unir os relatos é o medo colocado em teste, mas um medo específico, o de perder o controle.
No texto "Viagem ao Mapiá", Frias Filho relata bem esse temor ao participar de algumas sessões do culto ao Santo Daime:
Eu havia tomado o Santo Daime pela primeira vez no final de maio de 1999, em São Paulo (...) O problema para quem vai experimentar a bebida não se resume a eventuais mirações, que podem assumir feição desagradável e até aterradora, como nos relatos de pessoas que alegam ter assistido a própria morte ou visto entes queridos desfigurados em seus caixões, nem ao risco de que a ayhuasca desencadeie pertirbações de ordem psiquiátricaou faça do neófito um joguete de forças (químicas: psíquicas: espirituais:) fora de seu controle. (...) Quando entramos, o templo já estava repleto de fardados, fiéis que passaram pela cerimônia de iniciação, vindo a integrar o estado-maior da doutrina. Parecia um sabá de bruxos, um encontro de congregados marianos, um congresso da maçonaria, um uma assembléia do sondicato de garçons. Eu me perguntava quem seriam aquelas pessoas.
Neste e em outros momentos autobiográficos – poucos e dispersos pela narrativa – muito como a prosa do próprio Otavio, o leitor descobre que ele tem claustrofobia e acrofobia, pensou em suicídio, é ateu, aos 30 e tantos anos passou por um revés amoroso violento e, adolescente, fez análise. São pequenas revelações, quase deslizes, entremeadas pela experiência em si, que conduz cada uma das sete narrativas, estas embaladas por muito detalhe e informação histórica – a pesquisa é realmente exaustiva. Sai-se de um texto sabendo tudo sobre a invenção do pára-quedas.
Em maio de 2004, Frias Filho foi palestrante no Master em Jornalismo para Editores, no Centro de Extensão Universitária (CEU) da Universidade de Navarra, Espanha, em São Paulo. Em resumo, Frias Filho disse que a imprensa brasileira vive um momento de muitas dificuldades e elas são geradas por problemas econômicos, pela falta de clareza no jornalismo e por uma crise de valores na sociedade.
Para ele, os problemas econômicos geram limitações para o jornalismo de qualidade, que está sendo confrontado com outras formas de informação nas quais notícia e entretenimento se misturam e se confundem. Não tenho dúvida de que jornais de qualidade devem investir em informação, não em entretenimento.
Frias salientou que há uma grande insatisfação em relação ao jornalismo de hoje, que deveria ser mais vivo e mais curioso. Mas, como não é, os nossos jornais são chatos e iguais. "Os jornais correm o risco de se assemelharem demais e existem até pessoas para as quais tanto faz ler um ou outro periódico". O publisher da folha acrescentou que "a pauta tradicional está fatigada". Sobre os manuais de redação, disse que o da Folha passa por uma descompressão.
Dentro da redação do jornal, um repórter se destacou com matérias onde o narrador leva às últimas conseqüências a procura pelas informações. Cláudio Tognolli trabalhou na editoria de Reportagem Especial da FSP e publicou textos como este:
No dia 1º de novembro a reportagem da Folha viajou com os Gaviões a Curitiba, numa caravana de 15 ônibus. O empate sem gols com o Paraná enervou as duas torcidas. Na saída do jogo, por volta das 17h30, o torcedor Carlos Carvalho Jr., o "Alemão", 21, foi cercado por torcedores do Paraná. Queriam arrancar-lhe a camiseta e começaram a atirar garrafas nele.
Os policiais não fizeram nada para protegê-lo, mas quando ele reagiu e acertou uma garrafada no torcedor paranaense, foi detido e levado à delegacia. Os amigos de "Alemão" avisaram ao responsável pelo ônibus 11, da Gaviões, o Paulinho, que o torcedor estava preso, no 6º Distrito Policial, a 10 km do estádio. Paulinho prometeu ir resgatá-lo com o ônibus. "Pode esperar lá que todo mundo nesse ônibus é de minha responsabilidade". "Alemão" ficou preso por cinco horas, acusado de tentativa de homicídio. O ônibus da Gaviões não foi buscá-lo. O torcedor só saiu da cadeia porque a reportagem da Folha se ofereceu para depor a seu favor, relatando que ele não era réu, mas vítima que agiu em defesa própria.
"Alemão" foi abandonado sem dinheiro para voltar a São Paulo. Viajou e jantou com dinheiro emprestado pelo repórter.
Apesar destes exemplos, o caso de Frias Filho não deixa de ser contraditório. A despeito de mostrar um lampejo do que pode ser feito no país, o publisher da Folha de S. Paulo assinou a extinção da editoria de repórteres especiais – à qual o repórter Cláudio Tognolli pertenceu em sua passagem pelo jornal – da redação na última leva demissionária na alameda Barão de Limeira.