Wednesday, October 05, 2005

2.3. Nova leva de Jornalismo Gonzo no Brasil

2.3.1. Arthur Veríssimo

Domingo, 26/9/2004 16h27, Bombaim, Índia

Assunto: Bombando Bombaim

Renatinha, definitivamente comecei a compreender um pouco mais sobre a figura extraordinária de Ganpati, ou melhor Ganesha. Sua lenda está inserida nos livros sagrados hindus. O que acontece atualmente no mega-festival é algo surpreendente.

Estive nesta mesma época no ano passado em Bombaim acompanhando o início do festival. O batuque e celebração rolam durante 10 dias. Existem datas especiais para imersão dos ídolos e estatuas do Ganesh no mar. Ontem acompanhamos um frenesi turbinadíssimo de adoradores e fieis se jogando pelas beiradas do acostamento e soltando a franga nas avenidas.

Segundo a rapaziada local o bicho ira pegar literalmente na segunda feira. Ontem foram centenas de pequenos blocos carnavalescos acompanhados por uma banda de percussão. Com estes grupos aparecem sempre uns tipinhos tocando pianola. O resultado é disrítmico e frenético.

Nos embrenhamos em uma favela à beira mar. A grande maioria das famílias é de pescadores. O clímax de jogar no mar os ídolos é da mais pura devoção. Continuo a me arrastar pelas quebradas. Tive uma ruptura nos ligamentos do tornozelo direito e deslizo pelas ruas de Bombaim como uma enguia. Uma equipe de curandeiros, doutores, massagistas e palpiteiros ajudam esta criatura a circular com desenvoltura pelos quatro cantos da cidade. Hoje terei um dia cheio com o vovozinho pai-de-santo de Ganesh. Ele sabe tudo sobre o panteão hinduísta e outras religiões.
Fiquei a noite inteira debruçado sobre o livro Adoradores de Ganesh. Os rituais, devoção, mito, lendas, política, reinos e mistérios desta figura mítica. O inacreditável de Bombaim é o contraste dos edifícios góticos-indianos com a publicidade massacrante dos filmes de Bollywood. Você se sente dentro de uma maquete gigantesca.

Bombaim é alucinante e sombria.
beijos,

Arthur Veríssimo
O expoente do Jornalismo Gonzo no Brasil é Arthur Veríssimo, repórter responsável por pautas como a que conta sua saga ao atravessar o Brasil, de Fortaleza a Porto Alegre de ônibus, sentado ao lado do banheiro, comprovam que vale tudo para garantir ao leitor, momentos inusitados de jornalismo investigativo.O estilo de Arthur pode ser claramente demonstrado na introdução da reportagem "Passageiro da Agonia": "Depois de uma tensa reunião com a equipe da TRIP, novamente a diretoria me lançou numa extenuante roubada. Por um grande vacilo, havia soltado na reunião da revista um "já pensou, uma matéria sobre cruzar o Brasil de ponta a ponta, num busão?". Os olhos dos caciques se alumiaram no ato. Aprovaram a maldita pauta. E quem foi designado?" (Trip n.º 92). Arthur passou dias viajando ao lado do banheiro de um ônibus de linha e contou sua saga para deleite dos leitores da Trip:
Embarcamos num ônibus comum da Viação Penha, que há anos navega nesta rota. A princípio, o Mercedes-Benz estava com cara de limpeza. Mas o pessoal da revista havia armado nova patifaria: nossos assentos se localizavam exatamente ao lado do fedorento banheiro do Penhão. Ainda arranco o escalpo de alguém na TRIP.
Entenda o itinerário: nossa longa viagem duraria 71 horas, com 28 breves paradas. O fascinante da epopéia é que atravessaríamos, após 4.534 quilômetros, nove Estados: Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A "casinha" ao lado de nossas poltronas exalava um odor gambarífero. Claro que o trinco não se encaixava na fechadura, e a porta do lançador de urina e fezes batia incessantemente. Decididos, eu e Carlinhos, capoeirista nativo de Canoa Quebrada de bronzeado amarelo-icterícia, consertamos a porta da jaula na porrada.
De ponta a ponta o ônibus estava empesteado com a catinga de gambá podre. Junto a um grupo de passageiros, interpelei o motorista sobre limpar o pardieiro. Fomos à garagem da empresa, onde descarregaram toda a imundície da rodolatrina. Percebi depois que o problema não era tanto o banheiro – e sim a eca dos próprios passageiros.
Comecei a contar as piadas mais dementes: misturando a famosa trilogia de humor, sexo e inteligência. Um senhor de aparência enigmática era meu principal alvo. Perguntava sobre sua vida sexual, se tomava pilequinhos – e, educadamente, ele só respondia que vivia em paz.
O perigo das rodovias no Brasil lembra minhas experiências em solo indiano. Uma grande roleta-russa: os passageiros estão entregues a Deus, e os motoristas são anjos da guarda. As estradas estragadas com buracos, crateras, desvios e centenas de caminhões e carros com faróis apagados confundem e assustam quem está sentado no trono do busão.
Para as pessoas que despencaram do Ceará com o objetivo de voltar para casa, visitar parentes, encontrar marido, começar vida nova ou retornar para o convento, tudo tinha um significado. Mas Christian [o fotógrafo] e eu experimentávamos outra sensação: a de saber como ilustres anônimos tiram de letra uma jornada de 72 horas de muita resistência. Qual será a próxima roubada trilegal em que a redação vai me colocar?
Um episódio pitoresco do Jornalismo Gonzo no Brasil envolveu repórter e entrevistada, em 1994. O jornalista Alex Solnik, da revista Sexy, fora escalado para entrevistar a então musa televisiva Dóris Giesse. Não houve entrevista. Pelo contrário. Ao entrar no apartamento de Dóris, Solnik lhe deu um beijo na boca e os dois foram parar no chão. O gravador ficou no bolso do paletó. Foram quatro horas de loucuras sexuais, todas narradas com detalhes em primeira pessoa pelo repórter e registradas em fotos:
Fui buscar champanhe na sala, quando voltei ao quarto, ela já estava de calcinha, me esperando. As taças na mão, ela na beira da cama, tira minha camisa, passa a mão pelos pêlos do corpo, (...) Humildemente, ela também desce. Sinto meu pau em sua boca. O encontro é maravilhoso. A boca dela faz tudo o que ele queria. Minha respiração dispara, me reteso todo. (...) Encantada com a cena, Doris exclamou: 'Quero ser fotografadda assim com você!' Não tocamos no gravador naquela noite, embora ele tivesse dormido dentro do paletó. Mas decidimos gravar os próximos encontros. Ninguém ainda tinha feito isso.
A entrevista e a matéria foram publicadas na íntegra pela revista com anuência da própria Dóris Giesse. Ela e o repórter casaram-se logo depois do ocorrido, mas ambos enfrentaram uma espiral descendente em suas carreirias, e terminaram por se separar alguns anos depois.

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